26 de outubro de 2013

O Lobo Atrás da Porta (Fernando Coimbra, 2013)



As aparências podem enganar. Quem vê a carinha bonita de Leandra Leal no começo do filme (ou melhor dizendo, nas cenas do começo da linha do tempo do filme) e entra no filme com praticamente nenhuma informação prévia (como eu) nunca imaginaria que, até o final, ela faria um trajeto pessoal até o inferno. É impressionante observar a atriz revelar e desenvolver as máscaras e demônios de sua personagem ao longo de O Lobo Atrás da Porta (Fernando Coimbra, 2012), e mais impressionante ainda porque ela é tratada pelo diretor sem julgamentos moralistas, com respeito, como uma pessoa como as outras, capaz de cometer erros e tomar caminhos errados na vida, o que torna as ações de Rosa mais reais (e por isso impactantes) e menos resultantes de um caráter maléfico ou vilanesco intrínseco à personagem. Claro, a trilha sonora misteriosa e sombria (e gravíssima, aliás, testando o sistema de som do São Luiz) já na abertura dá uma ideia de que coisas graves acontecerão (perdoe o trocadilho), mas ainda sim está longe de prevenir ou preparar o espectador desavisado para a jornada emocional (com eventuais socos no estômago) em que ele embarcará.

Antes que eu me torne injusto, não só Leandra Leal como Milhem Cortaz (no papel de Bernardo, o marido adúltero) e Fabiula Nascimento (como Sylvia, a mulher traída) estão muito bem no filme, e parte dos créditos podem ir para o trabalho de Fernando Coimbra (e equipe), não só na preparação de elenco em si como na maneira como as cenas foram filmadas. Há uma quantidade considerável de tomadas que se estendem por um minuto ou mais, que lembram o húngaro Béla Tarr (mestre das tomadas longas) com seu rigor e ausência de ângulos ou movimentos muito rebuscados, principalmente nas cenas em que a câmera acompanha Rosa e Clarinha vagando sem rumo pela cidade, como em Satantango (Béla Tarr, 1994). É através dessas tomadas que Coimbra consegue performances tão especiais dos atores, já que elas possibilitam que as emoções sejam expressas aos poucos e através de uma exposição prolongada dos atores à câmera, e não de uma sequência de reações pré-programadas feita em montagem, o que possibilita a captação de nuances e detalhes que passariam despercebidos de outra forma. Essas tomadas também conseguem prender a atenção do espectador e manter a tensão das cenas de maneira bastante eficiente, como quando Rosa parece estar abandonando a menina Clarinha no bar por alguns segundos ou quando Sylvia conta a ela da melhora na relação com o marido após o começo da amizade das duas e temos que esperar o balanço girar por uns momentos até poder ver sua reação.
Outra coisa que chama a atenção é o modo como a narrativa é quase que inteiramente construída através dos relatos (ou testemunhos) de Bernardo e Rosa, que aprendemos não servir como verdade absoluta por representarem interesses e pontos de vista pessoais e às vezes contraditórios. O modo como as estórias parecem não se encaixar em certos pontos lembra a narrativa multifacetada de Rashomon (Akira Kurosawa, 1950), e há até uma tomada mostrando o Sol por entre as copas das árvores de uma floresta assim como no clássico japonês.

Os diálogos podem até serem “infiltrados” por um humor irônico e típico da malandragem carioca, e as cenas de “amor” entre Rosa e Bernardo podem distrair um pouco (apesar de servirem como contraste para as cenas entre Bernardo e Sylvia, sempre gélidas e tensas), mas isso não significa que o filme não mostre sensibilidade para os momentos mais pesados e sujos. A queda de Rosa é conduzida com tanta frieza e agudez (cruciais para dar à expressão impassível de Leandra Leal no momento derradeiro o impacto necessário) que um ou outro pode até soltar uma exclamação ou suspirar de alívio no fim, mas ninguém sorrirá.
Leia Mais ►

2 de setembro de 2013

Estranhos No Paraíso (Jim Jarmusch, 1984)


Um filme torto, sujo, cinzento e estranho, mas que nem por isso deixa de ser belo de um jeito sincero e espontâneo, atento para a beleza das pequenas coisas da vida. Sem esforço, o filme é uma declaração de auto-afirmação a uma vertente do cinema independente que abraça o sujo, o torto, o deslocado, o entediante, enfim, um lado da humanidade negligenciado pela sociedade ou pela vertente mainstream das artes mais populares (assim como o húngaro Béla Tarr). A cada pequeno episódio anunciado pela tela preta, um momento precioso que estabelece os personagens no mundo (nem sempre com ações propriamente ditas) com uma naturalidade e fragilidade contagiantes, o que se estende tanto aos diálogos quanto aos gestos e à iluminação (Willie escurecendo e clareando conforme o carro passa pelos postes enquanto a câmera teima em encontrar o foco certo é um belo exemplo disso), sem muitos truques para controlar ou barrar a luz natural. Nesse cenário, nem a estética aparentemente precária (pelo menos em equipamentos) atrapalha, e até o barulho da cidade soa bem aos ouvidos. Sem falar no som que assombra o filme e aparece vez ou outra, I Put A Spell On You de Screamin’ Jay Hawkins, canção casa perfeitamente com a atmosfera estranha e bizarramente divertida do filme (ainda sorrio só de lembrar da tia húngara... puta que pariu).
Leia Mais ►

Namorados Para Sempre (Derek Cianfrance, 2010)


Antes de mais nada, Derek Cianfrance merece aplausos por não usar os dois atores bonitinhos e da moda para mais um desfile de caras e bocas e emoções pré-programadas, dentro de um roteiro com final feliz que force todos aqueles conceitos velhos de romance. Enfim...

Fica claro desde o princípio que diretor e atores colocaram muito de suas próprias emoções e experiências na criação deste filme, e é a percepção dessa entrega que realmente toca o espectador, mais do que roteiro ou narrativa, já que uma parte considerável do que se vê na tela é fruto de improviso. Desfecho à parte, o filme parece mostrar um relacionamento fadado ao fracasso desde o começo, com o casal dando sinais de frieza e distância, desgastados pelo tempo mas unidos pela filha. Já sabendo dessas pistas desde o início, o espectador passa a lamentar pelo triste rumo que o relacionamento tomou à medida em que se encanta pela forma como o casal se apaixona aos poucos, graças a uma alternância bem-sucedida entre passado e presente. Essa alternância entre fases com sentimentos aparentemente opostos leva a uma ascensão dramática conflitante, mas talvez por isso ela seja tão emocionante e interessante, mostrando o potencial ambíguo e perigoso que existe em cada relacionamento. Mas essa polarização de sentimentos às vezes joga contra a própria narrativa, já que todo o desenrolar dramático precisa ser bem construído ou ter boas bases para que se chegue ao final em sintonia com o feeling do filme (não que este seja um filme de estrutura muito rígida ou megalomaníaca como Magnólia de Paul Thomas Anderson). A exposição das ideias dos personagens principais sobre o amor, já antes deles se conhecerem, por exemplo, reflete tristemente nos eventos futuros mas não deixa de soar um pouco repetitiva ou desnecessária depois de um tempo. No geral, o segmento do passado parece ter uma amplitude maior de sentimentos e fases, sendo mais “completo em si mesmo”, por assim dizer, enquanto o segmento do presente é desprovido de momentos de ternura e acaba revelando aos poucos o tamanho da crise do casal. Mas faltam mais detalhes ou cenas que deem mais razões para o desgaste do relacionamento além da cena do motel, já que há muitas pequenas feridas que vão se acumulando num caso desses e que poderiam ser exploradas. Não vou ser radical em dizer que este é um filme de dois terços, mas vê-se que a morte da cadela e o encontro com Bobby Ontario são só o estopim de um casamento que já tinha seus desgastes.

E finalmente aparece um diretor que filme cenas de sexo com honestidade, e use elas pra tentar mostrar alguma coisa que acrescente mais aos personagens que simplesmente “agora eles estão transando”. Na primeira, entre Bobby e Cindy, Bobby a penetra por trás, sem fazer contato visual, e acaba “esquecendo” de tirar o pau antes de gozar, mostrando sua total falta de consideração com Cindy e que seu gostar não ia muito além de possuir uma mulher atraente. Na segunda, entre Cindy e Dean, ele nem espere que qualquer um dos dois tire a roupa e começa a fazer sexo oral nela, como se garantir o prazer de Cindy fosse a prioridade principal (ou única) naquele momento. Na terceira, ela está nua no chuveiro, em situação vulnerável, e a primeira coisa que ele faz é novamente partir para o sexo oral, o que ela rejeita. Depois, ela propõe que ele a penetre como se ela estivesse emocionalmente ausente, mostrando a mesma falta de consideração de Bobby Ontario (nesta cena o sexo é mostrado para refletir a relação de forma mais óbvia que nas outras, mas ela acaba funcionando bem por não ser usada como alusão explícita e pela própria carga emocional da situação e das interpretações).


As cenas do passado, rodadas em filme Super 16 (as presentes são filmadas digitalmente, aparentemente), muitas vezes tem sua ação registrada com câmera na mão (e balançando) e iluminações ou composições mais “naturais”, o que passa uma ideia de espontaneidade e jovialidade, mas também de instabilidade. Essa câmera na mão que segue os personagens também acaba valorizando as interpretações e os improvisos em alguns momentos, principalmente quando as tomadas se prolongam por alguns minutos. Nas cenas do presente, o visual é mais fechado e rígido, com cores mais fortes.
Leia Mais ►

O Dinheiro (Robert Bresson, 1983)


Por que ainda consigo me surpreender com a frieza absoluta de Bresson? Por que ainda acho que, de algum jeito, Yvon não vai matar a família indefesa e principalmente a velhinha inocente? Será que não entendi ainda que Bresson é o único que está disposto a ir até o fim para mostrar sua reprovação à hipocrisia, a ganância e a falta de ética? Sim, o foco é o dinheiro (mais precisamente a nota falsa que inicia a tragédia toda), mas a visão de Bresson em seu último filme demonstra uma falta de esperança tão grande que acaba refletindo uma podridão da sociedade moderna que vai além da ganância pelo dinheiro e mostra uma espécie de disfunção ou mal-estar social que paira sobre os personagens sem nunca ter muita definição. Todos parecem moral e eticamente corruptos ou coniventes com a corrupção, numa teia que vai começa na mãe do menino contrabandeador e passa pelo dono da loja, os presos, os advogados, e chega até Yvon, que passa de homem honesto a assassino frio após perder tudo o que tinha na vida.

Bresson observa tudo impassível, e de alguma forma até a falta de uma reação mais enérgica dos personagens – em atuações mínimas, típicas de filmes de Bresson - acaba demonstrando a falta de esperança do próprio diretor e aumentando os ares de tragédia. Aqui todos parecem vítimas de alguma forma, desde Yvon – que perdeu emprego, família e mulher – até Lucien – que é condenado a se tornar vítima da própria consciência por Yvon, naquela que é talvez a sentença mais cruel do filme. O diretor filma com mais economia do que nunca em sua carreira, atingindo o fim de sua busca por capturar apenas o que é essencial nos fatos e nas informações apresentados, se recusando a manipular o espectador – seja com cores distrativas ou paisagens, trilhas sonoras ou closes, reviravoltas ou conflitos na narrativa - e deixando que ele reaja com mais naturalidade e liberdade através da eliminação dos excessos. Muitas vezes, esse método acaba potencializado a resposta emocional do espectador, principalmente nas cenas mais brutais (de violência tanto física quanto emocional). Aliás, a cena do machado no final do filme fecha a carreira de Bresson com chave de ouro, mantendo o espectador atento e tenso até a conclusão trágica, capaz de deixar qualquer um mudo, numa das melhores sequências filmadas pelo diretor.
Leia Mais ►

O Abismo Prateado (Karim Ainouz, 2013)



No começo do filme, o marido de Violeta é mostrado nadando no raso, sob controle, mesmo mostrando um pouco de tensão e mergulhando pra evitar as ondas. Quando ele deixa Violeta, é como se ela fosse pega de surpresa por uma onda e fosse puxada pra baixo, pro “abismo prateado” de areia e profundeza. Violeta fica atordoada com a violência e o susto do rolar das águas, e quando ela finalmente consegue emergir, a maré já a levou para outro lugar da praia.

O filme de Karim Ainouz se concentra num único dia, num ciclo de maré, um ciclo de onde Violeta sai renovada, “refeita, pode crer. Se no começo ela parecia segura de si e de seu amor pelo marido, pelo filho e pela vida que leva com eles, o marido esconde em sua tensão e inquietação um desprezo por Violeta que a deixaria destruída emocionalmente. Com a proposta de acompanhar o processo de recuperação da protagonista, O Abismo Prateado não desgruda de Alessandra Negrini, mantendo a câmera bem próxima para captar cada nuance de emoção de seu rosto. Sem a oportunidade de ter um esperado confronto com o marido, que termina o relacionamento por mensagem de voz e corta qualquer comunicação possível, Violeta é deixada a sós para lidar com a perda, com a exceção de um conflito breve com uma mulher que aparentemente é sua cunhada (Violeta, coitada, parece ser “a última a saber”). Isso a deixa sem saber pra onde atirar, pra onde extravasar, o que torna sua confusão ainda maior. Alessandra Negrini se utiliza disso para tornar sua personagem imprevisível, e dá a ela uma atuação de várias dimensões. Violeta não só é louca como também pode ser carinhosa, carente e maternal, principalmente após fazer amizade com uma menina num banheiro público. Ela só parece recuperar o controle quando diz “Acho que meu marido me abandonou”, assim, como quem diz que está com gripe ou que esqueceu de apagar a luz da sala antes de sair.

Os personagens secundários recebem atenção limitada comparados a Violeta, mas esses desconhecidos que ela vai encontrando pelas ruas ao longo da noite acabam encontrando formas de se encaixar em sua estória, ensinando-a a lidar com a separação. A participação desses personagens beira o clichê uma vez ou outra, mas cumpre bem seu papel. Até por abranger um espaço de tempo tão reduzido, o filme acaba dando margem a tempos mortos, pausas e silêncios, que às vezes podem parecer desnecessários mas que acabam dando realismo à trama, e realçando o lado solitário da noite de Violeta e explorando detalhes que passariam despercebidos em outras narrativas. Mesmo com passagens um pouco entediantes em alguns momentos, a atenção é mantida pela atração quase magnética que a atuação de Alessandra Negrini gera e o ótimo design de som, que acompanha e complementa o humor de Violeta variando entre ruidoso, tranquilo e inquieto. Assim, alternando entre momentos de ternura e outros de cortar o coração, O Abismo Prateado se torna uma viagem emocional poderosa pelos desvarios de uma mulher traída, da qual é difícil sair ileso.




P.S.: é curioso como, mesmo sendo baseado em ‘Olhos Nos Olhos’, de Chico Buarque, o filme pode acabar lembrando mais de ‘Morena dos Olhos D’Água’, pelo menos superficialmente:

“Morena dos olhos d’água/tira os seus olhos do mar/vem ver que a vida ainda vale o sorriso que eu tenho pra lhe dar/o seu homem foi embora/prometendo voltar já/mas as ondas não tem hora, morena, partir ou de voltar...”
Leia Mais ►

1 de setembro de 2013

Frances Ha (Noah Baumbach, 2013)



É engraçado o fato de Frances destacar de um livro justamente um trecho sobre sinceridade numa obra de arte no início do filme, quando a sinceridade parece ser justamente uma das qualidades de Frances Ha, e mais engraçado ainda o fato da citação ser cortada no meio, como se aplicar esse sentimento a uma obra já não vago e impreciso o suficiente. Frances Ha é simples e despretensioso, e não esconde isso de ninguém. Em vez de mirar em grandes verdades ou lições, o filme se limita a acompanhar as idas e vindas de Frances na fase em que ela precisa decidir que rumo dar à sua vida adulta. Frances tem problemas pra encontrar um apartamento, um emprego, um parceiro, uma maneira de lidar com a separação da melhor amiga, enfim. Outros diretores poderiam dar a tudo isso um tom de lamentação e tristeza, mas isso está longe de acontecer aqui. É como se o filme fosse dirigido pela própria Frances, tamanha é a similaridade entre o tom em que ela leva a própria vida (ou é mostrada fazendo isso) e o tom em que Noah Baumbach leva o filme, mostrando cumplicidade e honestidade para com os personagens, apresentando-os como se desprovido de julgamento.

O jeito de Frances é frenético, bem-humorado, carente e sentimental, e é assim que o filme acaba se tornando. Isso rende belos “casamentos” entre direção e atuação, como na emocionante troca de close-ups entre Frances e Sophie intensificada pela trilha sonora no fim do filme, ou na corrida ao som de Modern Love, uma homenagem à linda cena de Mauvais Sang de Leos Carax (boa referência, mas nada que supere a original). Por outro lado, isso não parece render tanto nas cenas montadas com pequenos trechos de diálogo de menos de cinco segundos, que apesar de parecerem até charmosas e situarem bem as situações, geralmente não acrescentam tanto assim e às vezes parecem um pouco estranhas, como se não nos dessem tempo de pegar a piada.

Se o filme vai além das referências à Nouvelle Vague (principalmente) e a outras obras (o preto e branco nostálgico lembra a Manhattan de Woody Allen) é por causa de Greta Garwig, e da bela atuação que ela dá à personagem que ela mesma ajudou a criar: uma mulher louca, atrapalhada, sonhadora, amorosa, impulsiva, carismática... se um espectador não for cativado por ela (o que não é fácil de acontecer), não haverá mágica que o faça gostar do filme.
Leia Mais ►

La Dolce Vita (Federico Fellini, 1960)


Marcello está inquieto. Por fora, ele é um jornalista charmoso, galanteador e bem-sucedido (até certo ponto). Por dentro, ele é atormentado por uma busca por transcendência, inspiração, poesia e amor recíproco. Ou seja, algo que vá além de seu papel de colunista (e parasita) dos ricos e famosos da Roma do fim dos anos 1950. Marcello procura nos mais variados lugares: no afeto de seu pai, na beleza de Afrodite de Sylvia, na palavra de sabedoria e tranquilidade de Steiner, num entendimento com Maddalena, uma aparição de uma santa, o que seja. Mas tudo acaba escapando de suas mãos, virando tragédia (como com Steiner e a criança morta após o suposto milagre da santa) ou banalidade (Jesus passeando de helicóptero e parando pra visitar as madames). A dolce vita noturna dos abastados de Roma diverte Marcello e acaba fornecendo material para seus artigos, mas quando raia o dia o que vem é um gosto agridoce, como um choque de realidade ou acordar com ressaca. Ao final do filme, Marcello já está tão inebriado e corrompido que não consegue mais reconhecer a menina que foi para ele uma (breve) fonte de inspiração através da beleza e pureza, similar à Claudia de . Emma deveria ser uma fonte de inspiração mas seu amor é sufocante demais, e ela acaba sendo a antítese do que Marcello encontra em seus passeios, sendo meiga, atenciosa, ingênua, bondosa.


Fellini conduz o filme de uma forma aparentemente tão simples e pueril que chega a parecer despretensioso, e mesmo assim o filme consegue mostrar qualidades nos mais diferentes aspectos. A começar pelo som, marcado pela boa trilha sonora do maestro Nino Rota, e com recursos limitados mas eficientes, como os risinhos abafados das crianças que revelam sua mentira sobre a aparição da santa, no absoluto silêncio diante da morte de Steiner, ou no tique-taque seco no hospital após a tentativa de suicídio de Emma. A bela fotografia em preto e branco, que filma os rostos como se os colocasse em molduras, e dá um ar nostálgico às luzes de Roma à noite. A narrativa se divide em episódios ou crônicas conduzidas com um pouco de ironia, mas sem forçar julgamentos ou redenções dos personagens (Fellini parece guardar um pouco de seu amor para cada um), e há sempre uma espécie de véu separando o espectador dos sentimentos de Marcello, que, quando se revela pensando alto, é brevemente e em sussurros. La Dolce Vita pode até não ter os sonhos delirantes ou a pessoalidade apaixonada de outros filmes de Fellini a seu favor, mas já mostra sinais do apreço do diretor pelo que é absurdo e fantasioso (desde a abertura com a estátua de Jesus), e encanta mais que o suficiente através do seu amplo conjunto de estórias, não se sobressaindo pela precisão ou coesão mas pelo belo retrato que faz de seus personagens, ou de um período em que a cultura das celebridades (e dos paparazzi) já começava a assustar.
Leia Mais ►

Amor Pleno (Terrence Malick, 2012)


Silêncio de Deus, incomunicabilidade, pecado e culpa, incapacidade de se relacionar ou amar completamente os outros, contato entre homem e natureza... todos esses e outros temas tratados no filme já foram abordadores exaustivamente por diretores como Bergman, Antonioni e Tarkovksy, até, cada um a seu próprio modo. Enquanto os outros são incisivos, apesar de misteriosos até certo ponto, Malick parece vago, solto, ainda que ele não deixe de ter consciência do que faz ou das suas ideias. Seu método pode ser descrito assim: Malick pega o espectador pelo braço, leva ele para uma de suas pradarias, coloca um véu sobre o seu rosto e o solta, enquanto sussurra algumas palavras em seu ouvido e pede para observar a luz e a paisagem (ou seja, o contrário das ideias de Hitchcock, que falava do cinema e de sua estética como uma máquina de provocar emoções programadas ou manipuladas). Através de sua montagem de vários e vários fragmentos de imagens feitos de momentos, detalhes, Malick chega a sugerir ideias sobre os temas mencionados através da junção desses fragmentos, mas o que é transmitido com mais certeza é uma intensa felicidade de se viver nesta Terra, um deslumbramento diante das maravilhas da “obra de Deus”, numa mistura de admiração, inquietação e ao mesmo tempo uma sensação de vazio diante do mundo.

Através da narrativa solta e enxuta ao máximo e da associação de fragmentos por vezes aleatórios ou sem ligação lógica, a montagem de Malick acaba se tornando uma espécie de mistura entre poesia de versos livres, fluxo de consciência e monólogo interior (externado principalmente pelas narrações em off, que também nos embarcam nos questionamentos dos personagens e nos fazem refletir). Narrações que, aliás, ressignificam as imagens mostradas e complementam as expressões dos atores, que muitas vezes parecem demonstrar estados emocionais ambíguos ou difíceis de definir. Tudo isso só funciona por causa do poder das próprias imagens, muitas delas carregando dentro de si uma beleza e uma poesia únicas, que acabam se intensificando pela associação. Se a steadicam de Lubezki fosse uma caneta, seria uma frenética, escrevendo incontáveis variações de determinados temas em fluxo (com infinitos improvisos com os atores tendo como base uma dada situação ou sugestão de situação emocional entre eles), com uma atenção especial para o que é espontâneo, natural, poético (sim, são termos vagos, mas tentar ver ou colocar os filmes de Malick sob uma perspectiva muito precisa me parece pretensão ou loucura). Um exemplo disso é uma cena em que Ben Affleck e Rachel McAdams estão caminhando por uma pradaria e uma borboleta ou algum outro bicho surge de dentro dos arbustos, fazendo com que a câmera abandone imediatamente os atores e siga a borboleta por alguns segundos. Através dessa câmera-caneta, a luz natural parece ganhar dimensões novas em cenas, se tornando quase uma presença física, divina (a ponto de quase se poder sentir o calor da luz), revelando a beleza poética da luz solar, melhor que qualquer luz de estúdio.


Quanto às relações entre os personagens, mais do que nunca Malick mostra só o que lhe parece ser essencial, numa busca quase metafísica pela essência das coisas à la Bresson, chegando ao ponto de se tornar obscuro em alguns momentos. Sem saber direito onde está pisando (como o casal sobre a lama no começo), o espectador precisa se deixar levar pelo filme e entrar numa espécie de transe em algum nível se quiser gostar do filme. Assim como outros diretores, Malick ainda parece estar desenvolvendo uma estética cada vez mais simples, básica, e despreocupada com a aceitação do público. Há ainda menos diálogo, música, ação, conflito e narrativa que em A Árvore da Vida, e os personagens não chegam nem a ter nomes aparentes, vagando errantes e sem rumo pela terra à procura de esclarecimento, empatia, fé, amor (tanto “divino” quanto “humano”). Aliás, as comparações com A Árvore da Vida são inevitáveis, e há várias imagens, gestos, composições e temas semelhantes, como se os atores e a equipe tivessem sido contaminados pela memória do filme anterior. Se Amor Pleno não atinge a mesma ressonância emocional de Árvore, talvez seja porque sinta-se mesmo a falta de uma delineação maior da motivação dos personagens, uma prosa, uma exposição de ideias mais clara, uma música, enfim, uma manipulação... como um gatilho, um guia para a emoção do espectador, ou simplesmente instrumentos que o ajudem a manter seu interesse. E o cinema de Malick parece movido pelas mesmas perguntas de sempre... qual é o mínimo de narrativa que eu posso expor ao público e ainda assim manter ele acompanhando a estória? Que espécie de iluminação ou esclarecimento podemos ter nesta vida, afinal? A que ponto o homem é ligado à natureza aos eu redor? O que pode acalmar nossa alma?... Malick não consegue respostas propriamente ditas, mas ele também não parece realmente interessado em conclusões, e sim em indagações, e é na capacidade de gerar reflexões e sensações através de seu modo particular de tratar a poética inerente nas imagens e montá-las é que está o poder de seu cinema. Até por causa disso, o filme perde um pouco do seu impacto em algumas passagens com o padre interpretado por Javier Bardem, cujas preces e divagações em busca do amor divino (que de certa forma verbalizam as ideias do próprio Malick) tiram parte do ritmo da linha narrativa principal (se é que dá pra falar assim num filme como esse), apesar de complementar ela até certo ponto, também a limita.
Leia Mais ►

The Bling Ring (Sofia Coppola, 2013)


Sofia Coppola parece até se divertir com as loucuras da “Gangue de Hollywood”, observando tudo de uma posição moralmente superior. Seu olhar também carrega aquela ironia ácida e sutil de sempre, usando a montagem para fazer de cada corte em diálogo uma punchline, como se os próprios jovens atestassem o seu papel de ridículo. Isso fica claro quando ela realça a excentricidade, a vaidade e a futilidade dos personagens. Raramente essa posição moral permite algum nível de empatia, geralmente com Marc, que tem seus pensamentos e momentos de solidão expostos algumas vezes.
O filme embarca sem pudor nas invasões da gangue enquanto os jovens se deliciam com o brilho das grifes e jóias. Mesmo assim, Sofia parece sempre dar um sinal de alerta a cada uma das invasões, por menor que seja, como se já soubesse onde tudo aquilo acabaria. O exemplo mais claro desse tipo de mau presságio é quando Marc e Becca invadem a casa de Audrina Patridge e, em vez de entrar na casa, a câmera se limita a observar de longe e se aproximar lentamente usando o zoom, justamente naquela que seria a primeira casa a revelar os assaltos através das câmeras de vigilância.
O uso de vídeos dessas câmeras, além de vídeos de celebridades (em resolução baixa como no Youtube), vídeos de canais de TV especializados em celebridades e imagens de webcam ou do Facebook fazem do filme um retrato pontual desse mundo (que vai além de Hollywood) em que todos parecem vigiados e expostos a todo o tempo e tudo parece ser feito para ser ostentado ou visto. Coppola deixa claro o papel da cultura das celebridades e da ostentação na formação desse tipo de delinquência juvenil, não só através da imprensa como através da música, principalmente o rap de ostentação, presença frequente na trilha sonora - um desses raps fala, até didaticamente, de ‘super rich kids with nothing but fake friends’. Além disso, a música externa o estado de espírito dos personagens, como na cena acelerada (em ritmo e em música) do uso de cocaína, ou na sequência com câmera e música lenta na boate, que lembra um transe.
Sofia não abandonou o tédio como sentimento principal de seus filmes, mas parece dirigir mais claramente seu olhar crítico aos excessos dos ricos e famosos desde Somewhere (2010). A diferença é que a gangue de Bling Ring aparentemente não passa por momentos solitários e reflexivos, preferindo se proteger uns com as presenças dos outros, como se não se deixassem ficar entediados. Ao contrário dos personagens deslocados e isolados de outros filmes de Sofia, estes querem se juntar ao crème de la crème de Hollywood (e se espelhar nele) a qualquer custo, e assim subir os degraus da aristocracia hollywoodiana.
Leia Mais ►