Silêncio de Deus, incomunicabilidade, pecado e culpa, incapacidade
de se relacionar ou amar completamente os outros, contato entre homem e
natureza... todos esses e outros temas tratados no filme já foram abordadores
exaustivamente por diretores como Bergman, Antonioni e Tarkovksy, até, cada um
a seu próprio modo. Enquanto os outros são incisivos, apesar de misteriosos até
certo ponto, Malick parece vago, solto, ainda que ele não deixe de ter
consciência do que faz ou das suas ideias. Seu método pode ser descrito assim:
Malick pega o espectador pelo braço, leva ele para uma de suas pradarias,
coloca um véu sobre o seu rosto e o solta, enquanto sussurra algumas palavras
em seu ouvido e pede para observar a luz e a paisagem (ou seja, o contrário das
ideias de Hitchcock, que falava do cinema e de sua estética como uma máquina de
provocar emoções programadas ou manipuladas). Através de sua montagem de vários
e vários fragmentos de imagens feitos de momentos, detalhes, Malick chega a
sugerir ideias sobre os temas mencionados através da junção desses fragmentos,
mas o que é transmitido com mais certeza é uma intensa felicidade de se viver
nesta Terra, um deslumbramento diante das maravilhas da “obra de Deus”, numa
mistura de admiração, inquietação e ao mesmo tempo uma sensação de vazio diante
do mundo.
Através da narrativa solta e enxuta ao máximo e da
associação de fragmentos por vezes aleatórios ou sem ligação lógica, a montagem
de Malick acaba se tornando uma espécie de mistura entre poesia de versos
livres, fluxo de consciência e monólogo interior (externado principalmente
pelas narrações em off, que também nos embarcam nos questionamentos dos
personagens e nos fazem refletir). Narrações que, aliás, ressignificam as
imagens mostradas e complementam as expressões dos atores, que muitas vezes
parecem demonstrar estados emocionais ambíguos ou difíceis de definir. Tudo
isso só funciona por causa do poder das próprias imagens, muitas delas
carregando dentro de si uma beleza e uma poesia únicas, que acabam se
intensificando pela associação. Se a steadicam de Lubezki fosse uma caneta,
seria uma frenética, escrevendo incontáveis variações de determinados temas em
fluxo (com infinitos improvisos com os atores tendo como base uma dada situação
ou sugestão de situação emocional entre eles), com uma atenção especial para o
que é espontâneo, natural, poético (sim, são termos vagos, mas tentar ver ou
colocar os filmes de Malick sob uma perspectiva muito precisa me parece
pretensão ou loucura). Um exemplo disso é uma cena em que Ben Affleck e Rachel McAdams estão caminhando por uma pradaria e uma borboleta ou algum outro bicho surge de dentro dos arbustos, fazendo com que a câmera abandone imediatamente os atores e siga a borboleta por alguns segundos. Através dessa câmera-caneta, a luz natural parece ganhar
dimensões novas em cenas, se tornando quase uma presença física, divina (a
ponto de quase se poder sentir o calor da luz), revelando a beleza poética da
luz solar, melhor que qualquer luz de estúdio.
Quanto às relações entre os personagens, mais do que nunca
Malick mostra só o que lhe parece ser essencial, numa busca quase metafísica
pela essência das coisas à la Bresson, chegando ao ponto de se tornar obscuro
em alguns momentos. Sem saber direito onde está pisando (como o casal sobre a
lama no começo), o espectador precisa se deixar levar pelo filme e entrar numa
espécie de transe em algum nível se quiser gostar do filme. Assim como outros
diretores, Malick ainda parece estar desenvolvendo uma estética cada vez mais
simples, básica, e despreocupada com a aceitação do público. Há ainda menos
diálogo, música, ação, conflito e narrativa que em A Árvore da Vida, e os personagens não chegam nem a ter nomes
aparentes, vagando errantes e sem rumo pela terra à procura de esclarecimento,
empatia, fé, amor (tanto “divino” quanto “humano”). Aliás, as comparações com A Árvore da Vida são inevitáveis, e há
várias imagens, gestos, composições e temas semelhantes, como se os atores e a
equipe tivessem sido contaminados pela memória do filme anterior. Se Amor Pleno não atinge a mesma
ressonância emocional de Árvore,
talvez seja porque sinta-se mesmo a falta de uma delineação maior da motivação
dos personagens, uma prosa, uma exposição de ideias mais clara, uma música,
enfim, uma manipulação... como um gatilho, um guia para a emoção do espectador,
ou simplesmente instrumentos que o ajudem a manter seu interesse. E o cinema de
Malick parece movido pelas mesmas perguntas de sempre... qual é o mínimo de
narrativa que eu posso expor ao público e ainda assim manter ele acompanhando a
estória? Que espécie de iluminação ou esclarecimento podemos ter nesta vida,
afinal? A que ponto o homem é ligado à natureza aos eu redor? O que pode
acalmar nossa alma?... Malick não consegue respostas propriamente ditas, mas ele
também não parece realmente interessado em conclusões, e sim em indagações, e é na capacidade de gerar reflexões e sensações através de seu modo particular de tratar a poética inerente nas imagens e montá-las é que está o poder de seu cinema. Até por causa disso, o filme perde um pouco do seu impacto em algumas passagens com o padre interpretado por Javier Bardem, cujas preces e divagações em busca do amor divino (que de certa forma verbalizam as ideias do próprio Malick) tiram parte do ritmo da linha narrativa principal (se é que dá pra falar assim num filme como esse), apesar de complementar ela até certo ponto, também a limita.
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