18 de março de 2014

A Grande Beleza (Paolo Sorrentino, 2013)



Aos 65 anos de idade, Jep Gambardella é como uma mistura entre dois personagens de Fellini eternizados por Marcello Mastroianni, Guido e Marcello, porém envelhecido e igualmente confuso e desolado. De forma semelhante, La Grande Bellezza se inicia numa mistura entre o que vem após o final de La Dolce Vita (1960) e o começo de (1963), com um protagonista irremediavelmente imerso na decadente alta sociedade de Roma e incapaz de encontrar inspiração para sua nova obra.

Sorrentino não só toma como base os filmes de Fellini, mas parece se contentar em emulá-los, sem ir muito além deles em tema e estética, apropriando-os sob uma visão que dá poucos sinais de pessoalidade. Já vi adaptações para o cinema de livros que pegaram menos das obras originais do que Sorrentino pegou de La Dolce Vita8½. Não que ele fosse capaz de superar as obras-primas de Fellini. Faltam a Sorrentino a sensibilidade para tratar dos sentimentos do protagonista de forma sincera e não “acrobática” ou torta, a fluidez na transição entre realidade, sonho e memória, e a sutileza no trabalho com o visual do filme e sua direção de fotografia (que até tem alguns belos momentos, mas, no geral, é bem exagerada).

Claro, não há como negar que Jep seja um personagem carismático, e seu carisma carrega o filme nas costas em algumas partes, mas seus momentos de reflexão, tão preciosos, parecem coisas engessadas, quase forçadas, e não com tomadas súbitas de consciência ou pensamentos autênticos.

Se essa é a maneira de Sorrentino de “atualizar” La Dolce Vita (mais que 8 ½) trazendo-o para um novo contexto e um novo século, então a maneira com que o filme de Fellini trata questões relacionadas à moral, comportamento e religião de sua época são mais modernas e atemporais do que eu imaginava.
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17 de março de 2014

Eles Voltam (Marcelo Lordello, 2014)


Depois de cinco ou dez minutos de filme (é difícil dizer com certeza), surpresa!, eis que surgem os créditos iniciais, junto com a voz de Milton Nascimento na bela “Tudo Que Você Podia Ser”, que dá início ao lendário álbum Clube Da Esquina (1972). Susto à parte, essa demora até que faz sentido. O filme só começa realmente quando a adolescente Cris se percebe só ao ver que seu irmão a abandonou no meio da estrada, deixando-a incontestavelmente como personagem principal do filme.

A partir daí, Cris se vê perdida num mundo que para ela parece estranho e potencialmente hostil, e ao qual ela é completamente alienada, como se não soubesse da existência dele até então. E não é pra menos. Sendo uma adolescente de classe média-alta da Zona Norte recifense, Cris é levada a conviver com pessoas (empregadas domésticas e suas filhas, moradores de acampamento do MST, etc) com quem ela só teria contato nos noticiários e nas cozinhas e quartos-de-empregada dos apartamentos. Desse modo, ela passa a se dar conta de amarras nela mesma que ela desconhecia até então, amarras das quais ela vai tentando se libertar aos poucos no decorrer de sua jornada.

Esse processo de amadurecimento e auto-descoberta é trabalhado pacientemente pelo diretor Marcelo Lordello, através de uma série de encontros de Cris com pessoas que percebem a realidade ao seu redor de maneira bem diferente da dela, com a protagonista se comportando numa mistura entre alguém que tenta se  proteger do ambiente ao seu redor e alguém que percebe que precisa dos outros para sobreviver. O que Cris consegue aprender e extrair de cada um desses personagens pode até parecer óbvio a princípio, mas essas “lições” nunca são abordadas de maneira moralista ou didática. Pelo contrário, o ritmo cadenciado, quase meditativo do filme torna essas conversas mais autênticas e interessantes justamente por seguirem por caminhos de mais curvas que retas, por assim dizer, revelando aos poucos a personalidade de Cris e os modos como ela se adapta às situações. 

Sustentando tudo isso está o bom trabalho de Maria Luiza Tavares - que interpreta Cris -, uma “não-atriz” que convence justamente pelo que não atua. Ou seja, sua falta de preparação profissional a torna desprovida de trejeitos e dramatizações típicas de atores, visíveis especialmente nos mais jovens, o que a faz parecer mais tímida, insegura e lacônica, e torna suas expressões mais difíceis de decifrar, o que é justamente o que a personagem precisa. Não que ela não atue bem e ponto... seus olhares em especial são bastante expressivos e convincentes.

Acompanhando a menina a todo o tempo está a câmera do competente Ivo Lopes Araújo, que passa muito bem sensações de solidão, estranheza e alienação através de suas imagens. Quando Cris passeia por lugares estranhos a ela, a câmera até passa uma visão limitada e estrangeira das paisagens, principalmente as partes mais pobres da Zona da Mata pernambucana. Para isso, Cris é filmada geralmente numa proximidade quase desconfortável e claustrofóbica, enquanto “o outro” aparece frequentemente desfocado ou em posição desfavorável no quadro. Mas o filme é justamente sobre como a relação da menina com esse “outro” vai mudando ao longo de seu amadurecimento, então o modo como essas pessoas são filmadas também se altera, se tornando mais equilibrada e focada.

Mas claro, este é o primeiro longa de Lordello, e ele não deixa de cometer alguns deslizes (mais técnicos que qualquer outra coisa). Com tantas tomadas longas (algumas se estendendo por alguns minutos), é quase inevitável que algumas pareçam se alongar por mais tempo que o necessário, o que acontece principalmente pela combinação entre silêncio e falta de movimentação no quadro (ou seja, dificuldade de manter o interesse). Às vezes o ritmo também parece acelerar além da conta, tornando o diálogo mais direto que o necessário (ou que o estabelecido pelo próprio filme), principalmente depois que Cris volta pra casa. Em outros momentos, é o áudio dos diálogos que não soa claro, dificultando um pouco a compreensão, ou as imagens ficam tremidas de um jeito estranho. Enfim, isso é compreensível considerando o orçamento baixo do filme.

E considerando que este é o primeiro longa do diretor, é admirável o quanto ele parece respeitar a pausa, a calma, o silêncio, interrompido em momentos pontuais pela boa trilha sonora. Ou o quanto ele consegue revelar da personalidade de sua protagonista, mesmo com ela sendo tão reservada. Algumas das melhores passagens do filme são silenciosas, como quando Cris reflete sobre os mistérios da vida adulta ao falar com Pri ou se cala diante dos mimos e apertos da avó, percebendo que, mesmo tendo voltado pra sua família, ela continua deslocada, à procura de casa. Não o local “casa”, mas a sensação de estar realmente em casa, à vontade, segura de si e de seu lugar no mundo. O sentimento de paranoia e alienação da classe média metropolitana diante de pessoas em situações menos favorecidas também é abordado com destreza, e mesmo tendo sido externado na fala do avô de Cris, não se deixa que ele passe para o primeiro plano do filme ou se torne exagerado. O que importa, sem dúvidas, é o que se passa na cabeça de Cris.
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11 de março de 2014

Alabama Monroe (Felix Van Groeningen, 2012)


De certa forma, Alabama Monroe pode ser visto como um exemplo raro de filme (ou pelo menos é difícil eu sair do cinema tão emocionado quanto quando vi o filme). Carregado de emoções fortes, mas demonstradas de forma convincente e impactante, sem parecer enfeitadas ou falsas. Com uma trilha sonora frequente e marcante, mas que não é usada para manipulações fáceis. Com personagens que parecem sempre ser tratados com respeito, empatia e até carinho, talvez.

Os (muitos) dramas do casal Elise e Didier são apresentados numa narrativa que vai e volta na ordem cronológica, mas se divide entre três momentos principais: início do romance, Maybelle (filha dos dois) contraindo câncer e a crise no relacionamento (concentrada na segunda metade do filme). Essa alternância entre tempos narrativos é arriscada, mas a montagem dá conta do recado com boas transições, como quando uma cena em que Maybelle fala de como sonha em se tornar uma cowboy no futuro é seguida de uma imagem dela já careca por causa da quimioterapia. Em vez de conduzir as emoções de forma direta em direção às notas mais tristes ou alegres como normalmente se faz, a montagem intercala momentos tristes e felizes, o que tira a importância do impacto imediato deles e faz esses momentos e suas cargas emocionais ressonarem entre si, ressignificando uns aos outros como uma grande cadeia de lembranças ligadas umas às outras. Desse modo, se valorizam as emoções da trajetória da história do casal e sua trajetória de vida como um todo.

Na segunda parte do filme essa alternância diminuiu um pouco, afinal de contas a terceira fase temporal só surge após a “conclusão” da segunda fase, na metade do filme, o que prejudica o efeito hipnótico da montagem. Mesmo assim, a terceira fase tem um punhado bem significativo de emoções por si só, e aliada às lembranças recorrentes do passado (que geralmente não são atribuídas diretamente a um dos personagens), faz a segunda metade se segurar bem sem perder tanto assim. O problema é que os conflitos do casal gerados após a perda da filha ficam um pouco restritos e limitados demais ao questionamento da vida após a morte, desembocando num embate entre ciência e fé quando poderiam ter mais variedade.

Se bem que o ponto-chave da música mais importante do filme, “Will The Circle Be Unbroken”, é justamente o questionamento sobre o que nos espera após a morte. Talvez o problema de ter músicas e performances musicais que funcionam tão bem é que às vezes elas são mais eloquentes que o próprio diálogo (principalmente no caso da música “Where The Soul Never Dies”). De fato, as músicas são essenciais ao filme, servindo não só como plano de fundo para a relação do casal (afinal eles tocam e cantam numa banda de bluegrass) como expressando as emoções que pontuam o filme a sua própria maneira. A começar pela trilha sonora original, sempre no estilo bluegrass/country que marca o filme, que dá o tom ou “mood" (geralmente melancólico) de certas cenas sutilmente, deixando para os atores a maior parte da carga dramática. Em paralelo estão as apresentações de Elise e Didier em sua banda de bluegrass, não só porque as músicas (e suas letras) ajudam a demarcar as fases do relacionamento do casal e revelar seus sentimentos, mas também porque as próprias interpretações dessas canções são maravilhosas e um dos pontos altos do filme junto com a ótima atuação da dupla de protagonistas, interpretados por Veerle Baetens e Jonah Heldenbergh. Mas o mais importante é que a música em si (instrumental ou cantada) é colocada como uma coisa realmente importante na vida desses personagens e nas suas histórias, de forma que o ato de tocá-la vai além de algo trivial ou que o filme apenas menciona e se torna algo que serve como uma maneira importante de expressão, trazendo alegria e paz ao espírito e ilustrando a busca de cada um por algum tipo de salvação pessoal enquanto lidam com a vida e a morte.

Até por causa dessa importância que a música ganha, as duas despedidas ao som de bluegrass são provavelmente as cenas mais emocionantes do filme. Havendo ou não um lar esperando no Céu, a música pode servir de acalanto para todos, tanto para os que ficam para os que partem, se você escolher partilhar da crença de Elise. O final até sugere brevemente a existência de vida após a morte (de maneira inesperada, até), mas de um jeito que mais parece ser um exemplo de uma chance para mostrar o que é verdadeiro para a personagem do que uma afirmação ou perspectiva definitiva.
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