8 de junho de 2015

Mad Max: Estrada da Fúria (George Miller, 2015)


Witness me [‘me testemunhem’]!”, dizem os War Boys de Mad Max: Estrada da Fúria (George Miller, 2015). Talvez esta seja a frase mais repetida ao longo do filme, e é também a que mais aproxima esta distopia pós-apocalíptica com o presente. Se vivemos em um mundo em que as pessoas estão atualmente chamando atenção para si mesmas e vigiando as ações umas das outras a todo o momento, nada mais justo do que tornar os peões/guerreiros da sociedade retratada no filme obcecados por exibir seus feitos gloriosos conquistados em batalha uns para os outros. Além disso, também diz muito sobre esta sociedade o fato dessa frase ser dita em momentos de absoluta loucura, pretenso heroísmo e destruição. Para os War Boys, estes são justamente os seus momentos de transcendência, de contato com o sagrado. No caso, este sagrado seria a realização de feitos grandiosos o suficiente para leva-los ao Valhalla do deus nórdico Odin, onde descansam (ou lutam) eternamente (uma parte d)os guerreiros mortos em batalha. Mas, até para usar um exemplo mais conhecido, o que parece é que o mundo do filme é governado pelo deus da guerra grego Áries, e que a história foi conjurada por ele a ferro e fogo e muita, muita poeira. Tanta poeira que o próprio ato de assistir o filme parece dar a impressão de se tomar um banho de areia quente do deserto.

Além de materializar a ganância humana e sua irresponsabilidade ao explorar os recursos naturais, o deserto sem fim do filme acaba representando também a ausência completa de valores morais e humanidade nos sentidos mais básicos dessas palavras. Assim, o deserto se torna um campo de batalha sem fim para que os senhores da guerra briguem e matem os capangas uns dos outros por razões mesquinhas. Este cenário evidencia uma crítica bastante pessimista sobre o momento político atual (ou dos últimos 100 anos, basicamente) no que se refere ao militarismo, que se torna ainda mais desoladora quando fica claro que o sonhado Vale Verde (que seria o último lugar conhecido com água potável à disposição e uma camada vegetal) se tornou um pântano inóspito.

Por mais que esta ideia de que a Terra foi transformada em um deserto sem vida por causa da ganância da humanidade (e de seus senhores da guerra) não seja exatamente das mais originais, há um trabalho de caracterização dessas figuras de poder que é bastante interessante. Para começar, Immortan Joe é retratado como frágil e doente por dentro, só capaz de manter uma imagem de autoridade após vestir uma máscara e uma armadura ameaçadoras. Immortan também é tratado como quase como uma divindade pela população de sua Cidadela (só faltou uma estátua dele em tamanho real), mas não passa de um egoísta que toma quase todos os recursos à disposição para si, como todo bom ditador. Joe é assessorado por um ser conhecido como ‘The People Eater’, um homem obeso (com a obesidade sendo associada ao excesso e à avareza) e asqueroso que regula os gastos militares de Joe rigorosamente mas que não vê problema no derramamento de sangue que esses gastos provocam. Pelo contrário, ele faz questão de testemunhá-lo. A terceira figura é ‘The Bullet Farmer’, um sádico que acha divertidíssimo atirar em qualquer um que apareça na sua frente, principalmente quando fica cego, momento em que a cegueira daqueles responsáveis por manter a ordem e/ou “vigiar e punir” se torna literal. A caracterização dos War Boys segue a mesma mistura de exagero, caricatura e sarcasmo, e é de Nux, o mais importante dos War Boys (dentro da narrativa), aquela que me parece ser a frase mais impactante do filme: “mas não é nossa culpa!” (sobre o ímpeto dos War Boys de buscarem a ida ao Valhalla através da matança de inimigos, entre outros feitos de guerra). Assim, através na ênfase da crença dos War Boys, Miller ultrapassa a crítica às figuras de poder do filme (e às suas imagens) para criticar também a ideologia centrada na guerra e na destruição que norteia a sociedade do filme, e, por consequência, a ideologia militarista de todas as potências bélicas do mundo.


Além da ideologia militarista, outro aspecto ideológico criticado duramente no filme é o machismo e todo o sistema de exploração da mulher da sociedade contemporânea (e não só dela). Na Cidadela, as mulheres representam uma absoluta minoria da população, com a maioria sendo War Boys (na cena do nascimento da criança de Splendid, por exemplo, fica claro que os bebês designados como homens são muito mais valorizados, com sugestão de que as crianças designadas como mulheres são mortas após o nascimento). Assim, as mulheres que lá trabalham servem ou para produzir leite, ou para gerar filhos (no caso, as cinco mulheres de Immortan Joe) ou para guerrear (Furiosa). Enquanto à crítica à exploração das amas-de-leite é feita através da caracterização delas como vacas leiteiras (com máquinas presas aos seios para sugar o leite e tudo), a concepção das esposas segue uma lógica inversa, com supermodelos as interpretando para possibilitar uma crítica à objetificação e fetichização do corpo feminino e ao padrão de beleza opressor imposto às mulheres pela mídia contemporânea (e principalmente por Hollywood). Crítica semelhante é feita na escolha de Charlize Theron como Furiosa, já que o status de sex symbol da atriz é completamente negado. Furiosa aparece como uma mulher que, depois de anos e anos de sofrer os mais variados tipos de violência, se torna desfigurada e até masculinizada (com vários traços visuais dos War Boys, inclusive), mas também forte e determinada a resistir ao sistema que oprimiu ela (e outras mulheres) por tanto tempo. As outras mulheres do filme, as ‘Many Mothers’ do Vale Verde, também são caracterizadas como fortes e determinadas, mesmo sendo quase todas idosas (só uma delas é jovem, o que acaba ampliando a variedade de personagens femininas na trama).


Enquanto isso, o próprio Max é tratado mais como observador, com pouca demonstração de subjetividade. Mesmo que seu lado melancólico e traumatizado seja trabalhado de tempos e tempos através dos flashes de fantasmas que o lembram das falhas de seu passado, Miller lhe dá pouca voz, deixando que os personagens ao redor dele ganhem mais espaço. Nenhum ganha mais espaço que Furiosa, que parece muitas vezes ser a personagem principal do filme. A relação dos dois é particularmente interessante por ser baseada na fraternidade e no respeito mútuo ao invés de desejo sexual (como é de praxe na relação entre personagens masculinos de filmes de ação, a ligação entre os dois é iniciada após uma luta corpo-a-corpo em que eles percebem sua equivalência de força e a capacidade de guerrear um do outro). Aliás, os dois aparecem como dessexualizados, a julgar pela cena em que Max vê as cinco esposas tomando banho seminuas e não parece ter nenhuma reação de cunho sexual. Além disso, os dois acabam simbolizando a importância da integração dos dois sexos (ou a união de forças em prol de um objetivo comum), como na cena em que Max oferece apoio para que Furiosa use um rifle sniper (ele erra três tiros, ela – com a ajuda dele – acerta de primeira).

Claro, todas essas sátiras e símbolos não adiantariam de muita coisa se o filme não funcionasse como o “filme de ação” que ele se propõe a ser, com as obrigatórias explosões, perseguições e cenas de violência gráfica. No entanto, o que se vê é um longa que justifica (e materializa) a devoção dos War Boys a imagens de volante e do (motor) V8 ao engatar a quinta marcha logo nos primeiros minutos e praticamente não soltar mais. Muito disso se deve à montagem, que consegue dividir a tensão e a atenção entre vários pontos nas cenas de perseguição sem parecer apressada ou forçada. A eficácia da montagem chega a tal ponto que o filme se dá ao luxo de ter fade-outs dramáticos a cada bloco narrativo, dando chance para os espectadores respirarem e perceberem o quão rápido estavam correndo junto com o filme. Nestas partes mais calmas (principalmente o encontro com as ‘Many Mothers’ no deserto), os diálogos, precisamente em sua falta de eloquência e profundidade, revelam pessoas afetivamente aleijadas e reduzidas aos instintos mais básicos depois de tantos anos de convivência em um mundo marcado por selvageria e violência.


Muito da sensação de imersão do filme se deve à trilha sonora, que dá o correspondente sonoro para o heavy metal insano e agressivo que transcorre na tela, materializado de forma perfeitamente exagerada através do guitarrista com uma guitarra lança-chamas de dois braços. Outro fator que ajuda na imersão é a sensação de verossimilhança, provocada quando achamos que aquelas imagens de fogo, sangue e metal retorcido realmente ocorreram em alguma dimensão concreta, e não só numa tela de computador de algum canto dos Estados Unidos, tornando a tensão mais tangível, mais “real”. Assim, George Miller prova que (ainda) é possível fazer um grandíssimo (em magnitude, ambição, destreza técnica e vários outros fatores) filme de ação sem apelar para uma infinidade de efeitos especiais. E, mais importantemente, que filmes de ação não são necessariamente “de machão” ao dar espaço e importância mais do que merecidos às suas personagens femininas, principalmente Furiosa. 
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1 de junho de 2015

E Tua Mãe Também (Alfonso Cuarón, 2001)


“A vida é como uma espuma, e vocês tem que se doar como o mar”. A frase, dita por Luisa ao final de E Tua Mãe Também (Alfonso Cuarón, 2001) como alguém que dá uma lição de vida do alto de sua sabedoria, acaba destoando um pouco do resto do filme por ser a única parte em que ele aproxima de frases de efeito ou grandes verdades, mas resume bem o espírito do longa de Alfonso Cuarón. Em sua viagem em direção ao litoral mexicano, os três protagonistas, Tenoch, Julio e Luisa, exploram ao máximo suas amizades, liberdades e sexualidades, em trajetórias paralelas que lembram a história de Ícaro em suas buscas impetuosas e ambiciosas por liberdade e glória seguidas de decadência e destruição.

Assim como em inúmeros road movies, a jornada dos três começa por uma busca por liberdade, mas por razões diferentes. Os inseparáveis Tenoch e Julio são caracterizados desde o começo do filme como adolescentes irresponsáveis, que riem dos peidos uns dos outros e escondem o cheiro de maconha quando os pais chegam em casa. Para eles, a viagem é uma oportunidade de fugir das amarras dos pais, e também de participar de uma última grande aventura antes da faculdade. Para Luisa, a viagem é uma maneira de escapar da convivência sufocante com o marido, que acabou de traí-la, e talvez tentar uma última aventura irresponsável antes que seja tarde demais.


Mas essa é só a superfície, de certa forma. O mais interessante é a maneira como essa busca de liberdade é expressa através da sexualidade dos personagens de forma franca e aberta, com ela não sendo explorada por si só ou para chamar a atenção, e sim para ajudar na construção dos personagens e no estabelecimento da relação entre eles. Este processo já começa nas duas primeiras cenas, onde tanto Julio quanto Tenoch transam de maneira desajeitada e apressada com suas namoradas, sem demonstrar preocupação alguma com o prazer delas. Por outro lado, Luisa é retratada como recatada e vulnerável entre os dois adolescentes a princípio, até por causa da “ausência” do marido. No entanto, ao transar tanto com Julio quanto com Tenoch e depois passar a lhes dar lições sexuais, Luisa não só se estabelece como a dominadora entre os três como também acirra o conflito no relacionamento de Tenoch e Julio, criando uma disputa para ver quem é mais “machão” e irá tomar Luisa para si entre eles, o que é prontamente ironizado, já que nenhum dos dois consegue transar com ela por mais de alguns segundos. Dentro deste quadro, até uma simples discussão entre eles sobre os méritos do chamado “fio terra” vira uma forma de colocar Luisa como mais madura que os dois – e portanto dominante.

Em paralelo, a relação de amizade entre Tenoch e Julio vai ficando cada vez mais estreita e tensa no campo sexual, também desde o início do filme, quando eles se masturbam juntos na piscina e se veem nus no vestiário de um clube. Até o fato de eles transarem um com a namorada do outro ajuda a reforçar essa ideia de proximidade e compartilhamento no campo sexual. Essas duas trajetórias sexuais paralelas acabam se combinando no final do filme, na cena no ménage a trois entre os protagonistas, quando não só Luisa exerce seu controle sobre os dois ao convencê-los a transar com ela ao mesmo tempo – mesmo depois dela mesmo tê-los proibido de fazer isso -, como Tenoch e Julio acabam se beijando e participando do ato sem problemas. Esse clímax conjunto se torna mais dramático quando o espectador descobre mais tarde que Luisa morreu de câncer um mês depois do fim da viagem, e que Tenoch e Julio se afastaram definitivamente – o que reforça o lado machista e homofóbico dos dois, estabelecendo a viagem como um momento de libertação total, mas também de destruição e encerramento.


Voltando ao desenvolvimento do filme como road movie, é importante ressaltar que a viagem retratada acontece dentro de estradas mexicanas, envolvendo pessoas mexicanas e assim por diante (com a exceção, claro, de Luisa, que fica como turista). Esse enquadramento da cor local não se dá só através da figura de paisagens, mas principalmente através da figura de um narrador observador e onisciente. A forma mais evidente desse narrador se manifestar é através de voice-overs, que geralmente fornecem informações sobre o trio de protagonistas além das já vistas na tela, seja revelando o que eles estão pensando, dissecando seus contextos sociais e vivências ou reforçando suas ligações com personagens secundários, de uma forma que ao mesmo tempo aproxima o espectador dos personagens e o afasta deles – devido ao tom distante e ligeiramente irônico dos comentários. Mas os voice-overs mais preciosos são aqueles que enquadram os protagonistas e sua jornada dentro do México e de seu povo. Mas este não é um México estereotipado, até porque os clichês clássicos de cultura mexicana como mariachis e sombreros aparecem justamente em uma cena que se busca satirizar a superficialidade da alta sociedade mexicana. O México para o qual o narrador vai se voltar é o dos pobres, das pessoas de vida simples do interior afetadas pelo avanço da máquina do capitalismo, das vítimas de acidentes de trânsito evitáveis, de um grupo de porcos que escapam de um matadouro, e assim por diante, mostrando humanismo e até carinho por esse lado esquecido do México.

Visualmente, esta intenção do narrador é representada pelo trabalho do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki, que já prevê a câmera em constante movimento de filmes que faria com Cuarón no futuro, como Gravidade (2013) e Filhos da Esperança (2006). O olho de Lubezki (ou do narrador do filme) permanece sempre inquieto, à procura de algumas dessas facetas do ignoradas do México, e são particularmente interessantes são os planos-sequência em que a câmera “esquece” os protagonistas e passa a observar esses mexicanos anônimos que estão a apenas alguns passos de distância dos personagens principais, mas que ficariam completamente fora de foco de acordo com o estilo de narrativa mais tradicional ou comum no cinema de ficção, mas que aproximam o filme de um estilo mais documental. A partir desses momentos, fica claro que a câmera-narrador segue sua própria viagem pelo México, livre para pegar curvas e procurar histórias dignas de serem contadas, nem que só por alguns segundos.



No fim das contas, essas buscas por liberdade e exploração sexual dos protagonistas e por um olhar mais atento a um lado esquecido do México do narrador se combinam e enriquecem umas às outras ao longo do filme. Assim, a jornada dos personagens acaba sendo também uma jornada de descobrimento deles mesmos dentro do México, e de aspectos ocultos deste país para o narrador (e consequentemente para o espectador). E o que é mais importante: com exceção dos membros da alta sociedade mexicana ironizados na cena do casamento, o filme não parece fazer nenhum tipo de julgamento. Dos porcos fujões à velhinha que dança cumbia, todos merecem atenção. Afinal, todos compartilham de estradas do mesmo México. 
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Paisagem Na Neblina (Theo Angelopoulos, 1988)

“Caro pai, como você está longe! Alexandros diz que no sonho dele você parecia estar muito perto... se ele esticasse sua mão ele teria te tocado...”. Este trecho, retirado de uma das cartas da menina Voula a seu pai, resume bem a essência de Paisagem Na Neblina (Theodoros Angelopoulos, 1988): a busca pelo contato com um pai ausente que parece ser eminente mas nunca acontecer de fato, dando a entender que ele parece ser mais possível no no plano da imaginação e dos sonhos dos protagonistas do que em um plano concreto, real.


Esta busca é estabelecida desde a primeira cena, na qual os irmãos Alexandros e Voula tentam pegar um trem para a Alemanha, onde (supostamente) se encontra o seu pai. As duas crianças moram com a mãe, mas parecem ter com ela uma relação distante, de pouco afeto. Na única cena em que ela está presente, surpreendendo os dois quando Voula contava uma história para que Alexandros dormisse, os dois não só fingem dormir e não estabelecem contato com ela (ela nem chega a aparecer no quadro) como Alexandros ainda reclama que ela sempre os interrompe quando Voula lhe conta essa história.

Assim, os dois personagens são estabelecidos como sendo desprovidos de raízes afetivas (com a mãe, com a casa, com sua cidade, enfim), o que lhes possibilita viajar em busca do pai que nunca viram como dois errantes, vagando pela Grécia sem saber direito para onde vão, aonde exatamente está seu pai ou como chegarão a seu destino. De certa forma, a própria câmera de Angelopoulos parece compartilhar da errância das duas crianças, vagando pelos lugares como se estivesse à procura de algo, sempre se movendo, revelando novas dimensões e personagens dentro do cenário em planos-sequência longos com complexas combinações de movimentos entre a câmera e os atores.


Ao invés da realização de suas fantasias infantis através de um rápido encontro com seu pai, o que Alexandros e Voula encontram em sua jornada é um mundo estranho e às vezes hostil, que eles se mostram muitas vezes incapazes de compreender. Esta incompreensão fica mais evidente quando Voula ouve seu tio dizer que nem a própria mãe dos dois sabe quem é o pai ou onde ele se encontra. Ao invés de desistirem, Voula e Alexandros continuam a viagem, sendo forçados a amadurecer dolorosamente através do encontro com a dúvida e o sofrimento – esse amadurecimento é particularmente cruel com Voula, que é estuprada por um caminhoneiro e se vê obrigada a se entender com sua própria sexualidade “na estrada”. Os dois ainda conseguem ter momentos de felicidade, mas eles parecem ilusórios: a entrada no trem, a fuga da delegacia, a apresentação do violinista no bar... todos esses instantes parecem, quase como mágica, alimentar a esperança dos irmãos e proporcionar-lhes uma espécie de transcendência fugaz de sua realidade, mas acabam se mostrando passageiros quando a brutalidade do mundo que os cerca retorna. Assim, cada vez mais a busca pelo pai parece depender mais da crença dos irmãos do que de algo tangível ou concreto, como se o pai ausente estivesse testando a fé das crianças – como quando Alexandros tenta enxergar uma árvore em um conjunto de fotogramas onde aparentemente só há neblina.

Na elaboração do roteiro do filme, Angelopoulos contou com a colaboração do grego Thanassis Valtinos e, principalmente, com o italiano Tonino Guerra. A parceria com Guerra é particularmente interessante pois o italiano também colaborou, entre vários outros, com o italiano Michelangelo Antonioni – em filmes como A Aventura (1960), O Eclipse (1963) e Deserto Vermelho (1964) e o russo Andrei Tarkovsky – em Nostalgia (1983) -, dois diretores que se mostram bastante influentes em Paisagem Na Neblina. Assim como Antonioni, Angelopoulos dá uma grande ênfase às paisagens em seus planos, procurando usá-las para retratar de alguma forma o estado de espírito dos personagens; foca sua narrativa em personagens crescentemente alienados em relação ao mundo que os cerca; e também se utiliza das tomadas longas para “desdramatizar” algumas cenas, filmando cenas de carga dramática forte até que a emoção dos atores pareça se esvair. E, como Tarkovsky, Angelopoulos constrói a jornada de seus personagens principais baseada na prova da fé em algo inatingível; e cria através do plano-sequência uma atmosfera de contemplação e meditação, numa estratégia que faz o espectador perder a noção de tempo e pode gerar uma sensação de hipnose (como na cena da dança na praia) ou tensão (como na cena do estupro). Também é possível estabelecer um paralelo com o diretor Robert Bresson, já que, assim como o francês no filme Um Condenado À Morte Escapou (1956), Angelopoulos repete um mesmo tema musical ao longo do filme, mas de forma fragmentada e passageira (assim como os momentos de alegria dos irmãos são passageiros), só usando-o em sua forma completa ao fim do filme. No caso do filme de Bresson, o tema musical serve para representar a liberdade do prisioneiro, que só é atingida ao final.


Mesmo com tantas comparações e similaridades com outros diretores podendo ser apontadas, Angelopoulos demonstra um talento particular para produzir imagens que encantam o espectador com uma beleza melancólica mas ao mesmo tempo tocante, sendo difíceis de serem descritas ou “entendidas” objetivamente mas capazes de levar o espectador a uma espécie de transcendência que o diretor tanto procura – como na cena em que a mão de uma estátua é levantada do mar, ou na morte do cavalo. Ao final do filme, essa transcendência ou felicidade que atinge os irmãos pode até ser passageira ou ilusória, mas não há como negar que a fé na obtenção desta transcendência tenha unido os dois, e se provado preciosa para suas jornadas pessoais, que se tornaram mais belas graças a esses momentos fugazes. 
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