“Caro
pai, como você está longe! Alexandros diz que no sonho dele você parecia estar
muito perto... se ele esticasse sua mão ele teria te tocado...”. Este trecho,
retirado de uma das cartas da menina Voula a seu pai, resume bem a essência de Paisagem Na Neblina (Theodoros
Angelopoulos, 1988): a busca pelo contato com um pai ausente que parece ser
eminente mas nunca acontecer de fato, dando a entender que ele parece ser mais
possível no no plano da imaginação e dos sonhos dos protagonistas do que em um
plano concreto, real.
Esta
busca é estabelecida desde a primeira cena, na qual os irmãos Alexandros e
Voula tentam pegar um trem para a Alemanha, onde (supostamente) se encontra o
seu pai. As duas crianças moram com a mãe, mas parecem ter com ela uma relação
distante, de pouco afeto. Na única cena em que ela está presente, surpreendendo
os dois quando Voula contava uma história para que Alexandros dormisse, os dois
não só fingem dormir e não estabelecem contato com ela (ela nem chega a
aparecer no quadro) como Alexandros ainda reclama que ela sempre os interrompe
quando Voula lhe conta essa história.
Assim,
os dois personagens são estabelecidos como sendo desprovidos de raízes afetivas
(com a mãe, com a casa, com sua cidade, enfim), o que lhes possibilita viajar
em busca do pai que nunca viram como dois errantes, vagando pela Grécia sem
saber direito para onde vão, aonde exatamente está seu pai ou como chegarão a
seu destino. De certa forma, a própria câmera de Angelopoulos parece
compartilhar da errância das duas crianças, vagando pelos lugares como se
estivesse à procura de algo, sempre se movendo, revelando novas dimensões e
personagens dentro do cenário em planos-sequência longos com complexas combinações
de movimentos entre a câmera e os atores.
Ao
invés da realização de suas fantasias infantis através de um rápido encontro
com seu pai, o que Alexandros e Voula encontram em sua jornada é um mundo
estranho e às vezes hostil, que eles se mostram muitas vezes incapazes de
compreender. Esta incompreensão fica mais evidente quando Voula ouve seu tio
dizer que nem a própria mãe dos dois sabe quem é o pai ou onde ele se encontra.
Ao invés de desistirem, Voula e Alexandros continuam a viagem, sendo forçados a
amadurecer dolorosamente através do encontro com a dúvida e o sofrimento – esse
amadurecimento é particularmente cruel com Voula, que é estuprada por um
caminhoneiro e se vê obrigada a se entender com sua própria sexualidade “na
estrada”. Os dois ainda conseguem ter momentos de felicidade, mas eles parecem
ilusórios: a entrada no trem, a fuga da delegacia, a apresentação do violinista
no bar... todos esses instantes parecem, quase como mágica, alimentar a
esperança dos irmãos e proporcionar-lhes uma espécie de transcendência fugaz de
sua realidade, mas acabam se mostrando passageiros quando a brutalidade do
mundo que os cerca retorna. Assim, cada vez mais a busca pelo pai parece
depender mais da crença dos irmãos do que de algo tangível ou concreto, como se
o pai ausente estivesse testando a fé das crianças – como quando Alexandros
tenta enxergar uma árvore em um conjunto de fotogramas onde aparentemente só há
neblina.
Na
elaboração do roteiro do filme, Angelopoulos contou com a colaboração do grego
Thanassis Valtinos e, principalmente, com o italiano Tonino Guerra. A parceria
com Guerra é particularmente interessante pois o italiano também colaborou,
entre vários outros, com o italiano Michelangelo Antonioni – em filmes como A Aventura (1960), O Eclipse (1963) e Deserto
Vermelho (1964) e o russo Andrei Tarkovsky – em Nostalgia (1983) -, dois diretores que se mostram bastante
influentes em Paisagem Na Neblina. Assim
como Antonioni, Angelopoulos dá uma grande ênfase às paisagens em seus planos,
procurando usá-las para retratar de alguma forma o estado de espírito dos
personagens; foca sua narrativa em personagens crescentemente alienados em
relação ao mundo que os cerca; e também se utiliza das tomadas longas para
“desdramatizar” algumas cenas, filmando cenas de carga dramática forte até que
a emoção dos atores pareça se esvair. E, como Tarkovsky, Angelopoulos constrói
a jornada de seus personagens principais baseada na prova da fé em algo
inatingível; e cria através do plano-sequência uma atmosfera de contemplação e meditação,
numa estratégia que faz o espectador perder a noção de tempo e pode gerar uma
sensação de hipnose (como na cena da dança na praia) ou tensão (como na cena do
estupro). Também é possível estabelecer um paralelo com o diretor Robert
Bresson, já que, assim como o francês no filme Um Condenado À Morte Escapou (1956), Angelopoulos repete um mesmo
tema musical ao longo do filme, mas de forma fragmentada e passageira (assim
como os momentos de alegria dos irmãos são passageiros), só usando-o em sua
forma completa ao fim do filme. No caso do filme de Bresson, o tema musical
serve para representar a liberdade do prisioneiro, que só é atingida ao final.
Mesmo
com tantas comparações e similaridades com outros diretores podendo ser
apontadas, Angelopoulos demonstra um talento particular para produzir imagens
que encantam o espectador com uma beleza melancólica mas ao mesmo tempo
tocante, sendo difíceis de serem descritas ou “entendidas” objetivamente mas
capazes de levar o espectador a uma espécie de transcendência que o diretor
tanto procura – como na cena em que a mão de uma estátua é levantada do mar, ou
na morte do cavalo. Ao final do filme, essa transcendência ou felicidade que
atinge os irmãos pode até ser passageira ou ilusória, mas não há como negar que
a fé na obtenção desta transcendência tenha unido os dois, e se provado
preciosa para suas jornadas pessoais, que se tornaram mais belas graças a esses
momentos fugazes.
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