1 de junho de 2015

Paisagem Na Neblina (Theo Angelopoulos, 1988)

“Caro pai, como você está longe! Alexandros diz que no sonho dele você parecia estar muito perto... se ele esticasse sua mão ele teria te tocado...”. Este trecho, retirado de uma das cartas da menina Voula a seu pai, resume bem a essência de Paisagem Na Neblina (Theodoros Angelopoulos, 1988): a busca pelo contato com um pai ausente que parece ser eminente mas nunca acontecer de fato, dando a entender que ele parece ser mais possível no no plano da imaginação e dos sonhos dos protagonistas do que em um plano concreto, real.


Esta busca é estabelecida desde a primeira cena, na qual os irmãos Alexandros e Voula tentam pegar um trem para a Alemanha, onde (supostamente) se encontra o seu pai. As duas crianças moram com a mãe, mas parecem ter com ela uma relação distante, de pouco afeto. Na única cena em que ela está presente, surpreendendo os dois quando Voula contava uma história para que Alexandros dormisse, os dois não só fingem dormir e não estabelecem contato com ela (ela nem chega a aparecer no quadro) como Alexandros ainda reclama que ela sempre os interrompe quando Voula lhe conta essa história.

Assim, os dois personagens são estabelecidos como sendo desprovidos de raízes afetivas (com a mãe, com a casa, com sua cidade, enfim), o que lhes possibilita viajar em busca do pai que nunca viram como dois errantes, vagando pela Grécia sem saber direito para onde vão, aonde exatamente está seu pai ou como chegarão a seu destino. De certa forma, a própria câmera de Angelopoulos parece compartilhar da errância das duas crianças, vagando pelos lugares como se estivesse à procura de algo, sempre se movendo, revelando novas dimensões e personagens dentro do cenário em planos-sequência longos com complexas combinações de movimentos entre a câmera e os atores.


Ao invés da realização de suas fantasias infantis através de um rápido encontro com seu pai, o que Alexandros e Voula encontram em sua jornada é um mundo estranho e às vezes hostil, que eles se mostram muitas vezes incapazes de compreender. Esta incompreensão fica mais evidente quando Voula ouve seu tio dizer que nem a própria mãe dos dois sabe quem é o pai ou onde ele se encontra. Ao invés de desistirem, Voula e Alexandros continuam a viagem, sendo forçados a amadurecer dolorosamente através do encontro com a dúvida e o sofrimento – esse amadurecimento é particularmente cruel com Voula, que é estuprada por um caminhoneiro e se vê obrigada a se entender com sua própria sexualidade “na estrada”. Os dois ainda conseguem ter momentos de felicidade, mas eles parecem ilusórios: a entrada no trem, a fuga da delegacia, a apresentação do violinista no bar... todos esses instantes parecem, quase como mágica, alimentar a esperança dos irmãos e proporcionar-lhes uma espécie de transcendência fugaz de sua realidade, mas acabam se mostrando passageiros quando a brutalidade do mundo que os cerca retorna. Assim, cada vez mais a busca pelo pai parece depender mais da crença dos irmãos do que de algo tangível ou concreto, como se o pai ausente estivesse testando a fé das crianças – como quando Alexandros tenta enxergar uma árvore em um conjunto de fotogramas onde aparentemente só há neblina.

Na elaboração do roteiro do filme, Angelopoulos contou com a colaboração do grego Thanassis Valtinos e, principalmente, com o italiano Tonino Guerra. A parceria com Guerra é particularmente interessante pois o italiano também colaborou, entre vários outros, com o italiano Michelangelo Antonioni – em filmes como A Aventura (1960), O Eclipse (1963) e Deserto Vermelho (1964) e o russo Andrei Tarkovsky – em Nostalgia (1983) -, dois diretores que se mostram bastante influentes em Paisagem Na Neblina. Assim como Antonioni, Angelopoulos dá uma grande ênfase às paisagens em seus planos, procurando usá-las para retratar de alguma forma o estado de espírito dos personagens; foca sua narrativa em personagens crescentemente alienados em relação ao mundo que os cerca; e também se utiliza das tomadas longas para “desdramatizar” algumas cenas, filmando cenas de carga dramática forte até que a emoção dos atores pareça se esvair. E, como Tarkovsky, Angelopoulos constrói a jornada de seus personagens principais baseada na prova da fé em algo inatingível; e cria através do plano-sequência uma atmosfera de contemplação e meditação, numa estratégia que faz o espectador perder a noção de tempo e pode gerar uma sensação de hipnose (como na cena da dança na praia) ou tensão (como na cena do estupro). Também é possível estabelecer um paralelo com o diretor Robert Bresson, já que, assim como o francês no filme Um Condenado À Morte Escapou (1956), Angelopoulos repete um mesmo tema musical ao longo do filme, mas de forma fragmentada e passageira (assim como os momentos de alegria dos irmãos são passageiros), só usando-o em sua forma completa ao fim do filme. No caso do filme de Bresson, o tema musical serve para representar a liberdade do prisioneiro, que só é atingida ao final.


Mesmo com tantas comparações e similaridades com outros diretores podendo ser apontadas, Angelopoulos demonstra um talento particular para produzir imagens que encantam o espectador com uma beleza melancólica mas ao mesmo tempo tocante, sendo difíceis de serem descritas ou “entendidas” objetivamente mas capazes de levar o espectador a uma espécie de transcendência que o diretor tanto procura – como na cena em que a mão de uma estátua é levantada do mar, ou na morte do cavalo. Ao final do filme, essa transcendência ou felicidade que atinge os irmãos pode até ser passageira ou ilusória, mas não há como negar que a fé na obtenção desta transcendência tenha unido os dois, e se provado preciosa para suas jornadas pessoais, que se tornaram mais belas graças a esses momentos fugazes. 

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