Assim
como Estranhos No Paraíso (Jim
Jarmusch, 1984) fez alguns anos antes, Slacker (Richard Linklater, 1991) parece
soar como um ressonante “Yes, we can” para o que se convencionou chamar de
cinema independente americano através da realização de um único diretor. Slacker é um filme que transmite a cada
plano uma sensação de liberdade, juventude, talvez até imaturidade.
Até
porque é difícil enxergar de outra forma algumas “complicações” técnicas do
filme como microfone aparecendo, dublagens mal mixadas ou sincronizadas,
movimentos de câmera chamativos – típico de diretor que está começando e quer
mostrar serviço. No entanto, é até estranho colocar esses detalhes como erros,
porque o filme não parece preocupado com a possibilidade de parecer amador,
considerando a quantidade de cenas filmadas com câmeras típicas de filmes
amadores, com imagens de qualidade baixa e reminiscentes de filmes em Super 8 (só
para citar um tipo de tecnologia mais conhecida). Aliás, colocar essas
complicações como errados soa até errado. Para Linklater, estas limitações são
oportunidades para demonstrar as formas que os jovens do filme têm de exercer sua
liberdade e se expressar de formas não abraçadas pelos padrões da sociedade em
que vivem - se mesmo assim você ver estas coisas como erros, basta lembrar que
o filme foi realizado com um orçamento de aproximadamente 23 mil dólares para
pelo menos tornar as complicações “compreensíveis”.
Até
por uma questão de lógica, o monólogo do personagem interpretado pelo próprio
Linklater logo no início do filme acaba ditando o tom e o ritmo de todo o
filme, com ele falando com um taxista sobre as infinitas realidades criadas a
partir de cada escolha que tomamos, o poder da possibilidade e outras viagens
semelhantes. A partir daí, o que se segue é uma série de vinhetas curtas com os
mais variados tipos de pessoas aleatórias, entre desocupados, loucos, solitários, obcecados
por teoria da conspiração, pretensos artistas, velhinhos solitárias, gurus,
roqueiros frustrados e garotas independentes, falando sobre os assuntos mais
variados e aleatórios de forma descompromissada e verborrágica, parecendo que
passaram toda a sua vida refletindo e formando seus devaneios e teorias loucas
sobre a sociedade moderna, daquele jeito despretensioso mas envolvente que é
marca dos filmes de Linklater, de Boyhood
(2014) a Antes do Amanhecer (1995).
A
câmera segue essas pessoas obsessivamente, escolhendo entre qual pessoa seguir (já
que os diálogos sempre terminam com as pessoas se separando ou uma pessoa
tomando outro rumo e encontrando outras pessoas) como se tentasse descobrir por
conta própria todas as possibilidades de realidade que existem depois de ouvir
o monólogo do início. As transições entre essas vinhetas variam entre um
movimento lateral de câmera simples e suave e algumas mudanças de perspectiva
meio desajeitadas, mas geralmente parecem fluidos, como que pertencentes a um
observador curioso passando pela rua. De qualquer modo, o mais importante para
essas transições não é uma demonstração de ou qualquer tipo de elaboração complexa,
e sim a tentativa de fazer os espectadores entrarem no espírito da coisa e
passarem a torcer para a câmera acompanhar um determinado personagem em
detrimento de outro após um diálogo.
Por
mais que tentem colocar este filme como algum tipo de representante de
determinada geração de jovens americanos (mais especificamente a geração dos
anos 1990), Slacker me parece mais
uma busca (e os próprios movimentos da câmera reforçam esta ideia de procura)
por dar voz às pessoas às margens da sociedade capitalista americana da época
(algumas por escolha, outros por imposição) e fora do esquema de “consuma-trabalhe-case-tenha-filhos-durma-não
questione autoridade”. Claro, não há como negar que o filme se concentre em
jovens ou que pareça jovial, mas aqui a juventude aparece mais como um estado
de espírito do que propriamente como idade, considerando que alguns dos
personagens mostrados são idosos e parecem tão deslocados da sociedade e tão
cheios de ideias loucas na cabeça quantos os jovens.
E, ao fazer isso, o filme de Linklater já mostra aquela que talvez seja a principal e mais importante característica dos filmes do diretor: sua empatia, sua atenção ao ouvir o que as pessoas têm a dizer, e sua crença no quanto deixar elas botarem seus devaneios para fora é importante. De quebra, ao utilizar esta abordagem em pessoas aleatórias nas ruas enquanto nega a existência de personagens principais, Linklater mostra, justamente através do caráter errático e irregular do filme, a imensidão de possibilidades que se abrem quando se tenta conhecer ou iniciar um diálogo com pessoas aleatórias que passam despercebidas pelas nossas vidas, e as coisas preciosas que podem surgir a partir disso.
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