1 de junho de 2015

E Tua Mãe Também (Alfonso Cuarón, 2001)


“A vida é como uma espuma, e vocês tem que se doar como o mar”. A frase, dita por Luisa ao final de E Tua Mãe Também (Alfonso Cuarón, 2001) como alguém que dá uma lição de vida do alto de sua sabedoria, acaba destoando um pouco do resto do filme por ser a única parte em que ele aproxima de frases de efeito ou grandes verdades, mas resume bem o espírito do longa de Alfonso Cuarón. Em sua viagem em direção ao litoral mexicano, os três protagonistas, Tenoch, Julio e Luisa, exploram ao máximo suas amizades, liberdades e sexualidades, em trajetórias paralelas que lembram a história de Ícaro em suas buscas impetuosas e ambiciosas por liberdade e glória seguidas de decadência e destruição.

Assim como em inúmeros road movies, a jornada dos três começa por uma busca por liberdade, mas por razões diferentes. Os inseparáveis Tenoch e Julio são caracterizados desde o começo do filme como adolescentes irresponsáveis, que riem dos peidos uns dos outros e escondem o cheiro de maconha quando os pais chegam em casa. Para eles, a viagem é uma oportunidade de fugir das amarras dos pais, e também de participar de uma última grande aventura antes da faculdade. Para Luisa, a viagem é uma maneira de escapar da convivência sufocante com o marido, que acabou de traí-la, e talvez tentar uma última aventura irresponsável antes que seja tarde demais.


Mas essa é só a superfície, de certa forma. O mais interessante é a maneira como essa busca de liberdade é expressa através da sexualidade dos personagens de forma franca e aberta, com ela não sendo explorada por si só ou para chamar a atenção, e sim para ajudar na construção dos personagens e no estabelecimento da relação entre eles. Este processo já começa nas duas primeiras cenas, onde tanto Julio quanto Tenoch transam de maneira desajeitada e apressada com suas namoradas, sem demonstrar preocupação alguma com o prazer delas. Por outro lado, Luisa é retratada como recatada e vulnerável entre os dois adolescentes a princípio, até por causa da “ausência” do marido. No entanto, ao transar tanto com Julio quanto com Tenoch e depois passar a lhes dar lições sexuais, Luisa não só se estabelece como a dominadora entre os três como também acirra o conflito no relacionamento de Tenoch e Julio, criando uma disputa para ver quem é mais “machão” e irá tomar Luisa para si entre eles, o que é prontamente ironizado, já que nenhum dos dois consegue transar com ela por mais de alguns segundos. Dentro deste quadro, até uma simples discussão entre eles sobre os méritos do chamado “fio terra” vira uma forma de colocar Luisa como mais madura que os dois – e portanto dominante.

Em paralelo, a relação de amizade entre Tenoch e Julio vai ficando cada vez mais estreita e tensa no campo sexual, também desde o início do filme, quando eles se masturbam juntos na piscina e se veem nus no vestiário de um clube. Até o fato de eles transarem um com a namorada do outro ajuda a reforçar essa ideia de proximidade e compartilhamento no campo sexual. Essas duas trajetórias sexuais paralelas acabam se combinando no final do filme, na cena no ménage a trois entre os protagonistas, quando não só Luisa exerce seu controle sobre os dois ao convencê-los a transar com ela ao mesmo tempo – mesmo depois dela mesmo tê-los proibido de fazer isso -, como Tenoch e Julio acabam se beijando e participando do ato sem problemas. Esse clímax conjunto se torna mais dramático quando o espectador descobre mais tarde que Luisa morreu de câncer um mês depois do fim da viagem, e que Tenoch e Julio se afastaram definitivamente – o que reforça o lado machista e homofóbico dos dois, estabelecendo a viagem como um momento de libertação total, mas também de destruição e encerramento.


Voltando ao desenvolvimento do filme como road movie, é importante ressaltar que a viagem retratada acontece dentro de estradas mexicanas, envolvendo pessoas mexicanas e assim por diante (com a exceção, claro, de Luisa, que fica como turista). Esse enquadramento da cor local não se dá só através da figura de paisagens, mas principalmente através da figura de um narrador observador e onisciente. A forma mais evidente desse narrador se manifestar é através de voice-overs, que geralmente fornecem informações sobre o trio de protagonistas além das já vistas na tela, seja revelando o que eles estão pensando, dissecando seus contextos sociais e vivências ou reforçando suas ligações com personagens secundários, de uma forma que ao mesmo tempo aproxima o espectador dos personagens e o afasta deles – devido ao tom distante e ligeiramente irônico dos comentários. Mas os voice-overs mais preciosos são aqueles que enquadram os protagonistas e sua jornada dentro do México e de seu povo. Mas este não é um México estereotipado, até porque os clichês clássicos de cultura mexicana como mariachis e sombreros aparecem justamente em uma cena que se busca satirizar a superficialidade da alta sociedade mexicana. O México para o qual o narrador vai se voltar é o dos pobres, das pessoas de vida simples do interior afetadas pelo avanço da máquina do capitalismo, das vítimas de acidentes de trânsito evitáveis, de um grupo de porcos que escapam de um matadouro, e assim por diante, mostrando humanismo e até carinho por esse lado esquecido do México.

Visualmente, esta intenção do narrador é representada pelo trabalho do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki, que já prevê a câmera em constante movimento de filmes que faria com Cuarón no futuro, como Gravidade (2013) e Filhos da Esperança (2006). O olho de Lubezki (ou do narrador do filme) permanece sempre inquieto, à procura de algumas dessas facetas do ignoradas do México, e são particularmente interessantes são os planos-sequência em que a câmera “esquece” os protagonistas e passa a observar esses mexicanos anônimos que estão a apenas alguns passos de distância dos personagens principais, mas que ficariam completamente fora de foco de acordo com o estilo de narrativa mais tradicional ou comum no cinema de ficção, mas que aproximam o filme de um estilo mais documental. A partir desses momentos, fica claro que a câmera-narrador segue sua própria viagem pelo México, livre para pegar curvas e procurar histórias dignas de serem contadas, nem que só por alguns segundos.



No fim das contas, essas buscas por liberdade e exploração sexual dos protagonistas e por um olhar mais atento a um lado esquecido do México do narrador se combinam e enriquecem umas às outras ao longo do filme. Assim, a jornada dos personagens acaba sendo também uma jornada de descobrimento deles mesmos dentro do México, e de aspectos ocultos deste país para o narrador (e consequentemente para o espectador). E o que é mais importante: com exceção dos membros da alta sociedade mexicana ironizados na cena do casamento, o filme não parece fazer nenhum tipo de julgamento. Dos porcos fujões à velhinha que dança cumbia, todos merecem atenção. Afinal, todos compartilham de estradas do mesmo México. 

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