1 de setembro de 2013

La Dolce Vita (Federico Fellini, 1960)


Marcello está inquieto. Por fora, ele é um jornalista charmoso, galanteador e bem-sucedido (até certo ponto). Por dentro, ele é atormentado por uma busca por transcendência, inspiração, poesia e amor recíproco. Ou seja, algo que vá além de seu papel de colunista (e parasita) dos ricos e famosos da Roma do fim dos anos 1950. Marcello procura nos mais variados lugares: no afeto de seu pai, na beleza de Afrodite de Sylvia, na palavra de sabedoria e tranquilidade de Steiner, num entendimento com Maddalena, uma aparição de uma santa, o que seja. Mas tudo acaba escapando de suas mãos, virando tragédia (como com Steiner e a criança morta após o suposto milagre da santa) ou banalidade (Jesus passeando de helicóptero e parando pra visitar as madames). A dolce vita noturna dos abastados de Roma diverte Marcello e acaba fornecendo material para seus artigos, mas quando raia o dia o que vem é um gosto agridoce, como um choque de realidade ou acordar com ressaca. Ao final do filme, Marcello já está tão inebriado e corrompido que não consegue mais reconhecer a menina que foi para ele uma (breve) fonte de inspiração através da beleza e pureza, similar à Claudia de . Emma deveria ser uma fonte de inspiração mas seu amor é sufocante demais, e ela acaba sendo a antítese do que Marcello encontra em seus passeios, sendo meiga, atenciosa, ingênua, bondosa.


Fellini conduz o filme de uma forma aparentemente tão simples e pueril que chega a parecer despretensioso, e mesmo assim o filme consegue mostrar qualidades nos mais diferentes aspectos. A começar pelo som, marcado pela boa trilha sonora do maestro Nino Rota, e com recursos limitados mas eficientes, como os risinhos abafados das crianças que revelam sua mentira sobre a aparição da santa, no absoluto silêncio diante da morte de Steiner, ou no tique-taque seco no hospital após a tentativa de suicídio de Emma. A bela fotografia em preto e branco, que filma os rostos como se os colocasse em molduras, e dá um ar nostálgico às luzes de Roma à noite. A narrativa se divide em episódios ou crônicas conduzidas com um pouco de ironia, mas sem forçar julgamentos ou redenções dos personagens (Fellini parece guardar um pouco de seu amor para cada um), e há sempre uma espécie de véu separando o espectador dos sentimentos de Marcello, que, quando se revela pensando alto, é brevemente e em sussurros. La Dolce Vita pode até não ter os sonhos delirantes ou a pessoalidade apaixonada de outros filmes de Fellini a seu favor, mas já mostra sinais do apreço do diretor pelo que é absurdo e fantasioso (desde a abertura com a estátua de Jesus), e encanta mais que o suficiente através do seu amplo conjunto de estórias, não se sobressaindo pela precisão ou coesão mas pelo belo retrato que faz de seus personagens, ou de um período em que a cultura das celebridades (e dos paparazzi) já começava a assustar.

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