Marcello está inquieto. Por fora, ele é um jornalista
charmoso, galanteador e bem-sucedido (até certo ponto). Por dentro, ele é
atormentado por uma busca por transcendência, inspiração, poesia e amor
recíproco. Ou seja, algo que vá além de seu papel de colunista (e parasita) dos
ricos e famosos da Roma do fim dos anos 1950. Marcello procura nos mais
variados lugares: no afeto de seu pai, na beleza de Afrodite de Sylvia, na
palavra de sabedoria e tranquilidade de Steiner, num entendimento com
Maddalena, uma aparição de uma santa, o que seja. Mas tudo acaba escapando de
suas mãos, virando tragédia (como com Steiner e a criança morta após o suposto
milagre da santa) ou banalidade (Jesus passeando de helicóptero e parando pra
visitar as madames). A dolce vita
noturna dos abastados de Roma diverte Marcello e acaba fornecendo material para
seus artigos, mas quando raia o dia o que vem é um gosto agridoce, como um
choque de realidade ou acordar com ressaca. Ao final do filme, Marcello já está
tão inebriado e corrompido que não consegue mais reconhecer a menina que foi
para ele uma (breve) fonte de inspiração através da beleza e pureza, similar à
Claudia de 8½. Emma deveria ser uma
fonte de inspiração mas seu amor é sufocante demais, e ela acaba sendo a
antítese do que Marcello encontra em seus passeios, sendo meiga, atenciosa,
ingênua, bondosa.
Fellini conduz o filme de uma forma aparentemente tão
simples e pueril que chega a parecer despretensioso, e mesmo assim o filme
consegue mostrar qualidades nos mais diferentes aspectos. A começar pelo som,
marcado pela boa trilha sonora do maestro Nino Rota, e com recursos limitados
mas eficientes, como os risinhos abafados das crianças que revelam sua mentira
sobre a aparição da santa, no absoluto silêncio diante da morte de Steiner, ou
no tique-taque seco no hospital após a tentativa de suicídio de Emma. A bela
fotografia em preto e branco, que filma os rostos como se os colocasse em
molduras, e dá um ar nostálgico às luzes de Roma à noite. A narrativa se divide
em episódios ou crônicas conduzidas com um pouco de ironia, mas sem forçar
julgamentos ou redenções dos personagens (Fellini parece guardar um pouco de
seu amor para cada um), e há sempre uma espécie de véu separando o espectador
dos sentimentos de Marcello, que, quando se revela pensando alto, é brevemente
e em sussurros. La Dolce Vita pode
até não ter os sonhos delirantes ou a pessoalidade apaixonada de outros filmes
de Fellini a seu favor, mas já mostra sinais do apreço do diretor pelo que é
absurdo e fantasioso (desde a abertura com a estátua de Jesus), e encanta mais
que o suficiente através do seu amplo conjunto de estórias, não se sobressaindo
pela precisão ou coesão mas pelo belo retrato que faz de seus personagens, ou
de um período em que a cultura das celebridades (e dos paparazzi) já começava a
assustar.
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