2 de setembro de 2013

O Abismo Prateado (Karim Ainouz, 2013)



No começo do filme, o marido de Violeta é mostrado nadando no raso, sob controle, mesmo mostrando um pouco de tensão e mergulhando pra evitar as ondas. Quando ele deixa Violeta, é como se ela fosse pega de surpresa por uma onda e fosse puxada pra baixo, pro “abismo prateado” de areia e profundeza. Violeta fica atordoada com a violência e o susto do rolar das águas, e quando ela finalmente consegue emergir, a maré já a levou para outro lugar da praia.

O filme de Karim Ainouz se concentra num único dia, num ciclo de maré, um ciclo de onde Violeta sai renovada, “refeita, pode crer. Se no começo ela parecia segura de si e de seu amor pelo marido, pelo filho e pela vida que leva com eles, o marido esconde em sua tensão e inquietação um desprezo por Violeta que a deixaria destruída emocionalmente. Com a proposta de acompanhar o processo de recuperação da protagonista, O Abismo Prateado não desgruda de Alessandra Negrini, mantendo a câmera bem próxima para captar cada nuance de emoção de seu rosto. Sem a oportunidade de ter um esperado confronto com o marido, que termina o relacionamento por mensagem de voz e corta qualquer comunicação possível, Violeta é deixada a sós para lidar com a perda, com a exceção de um conflito breve com uma mulher que aparentemente é sua cunhada (Violeta, coitada, parece ser “a última a saber”). Isso a deixa sem saber pra onde atirar, pra onde extravasar, o que torna sua confusão ainda maior. Alessandra Negrini se utiliza disso para tornar sua personagem imprevisível, e dá a ela uma atuação de várias dimensões. Violeta não só é louca como também pode ser carinhosa, carente e maternal, principalmente após fazer amizade com uma menina num banheiro público. Ela só parece recuperar o controle quando diz “Acho que meu marido me abandonou”, assim, como quem diz que está com gripe ou que esqueceu de apagar a luz da sala antes de sair.

Os personagens secundários recebem atenção limitada comparados a Violeta, mas esses desconhecidos que ela vai encontrando pelas ruas ao longo da noite acabam encontrando formas de se encaixar em sua estória, ensinando-a a lidar com a separação. A participação desses personagens beira o clichê uma vez ou outra, mas cumpre bem seu papel. Até por abranger um espaço de tempo tão reduzido, o filme acaba dando margem a tempos mortos, pausas e silêncios, que às vezes podem parecer desnecessários mas que acabam dando realismo à trama, e realçando o lado solitário da noite de Violeta e explorando detalhes que passariam despercebidos em outras narrativas. Mesmo com passagens um pouco entediantes em alguns momentos, a atenção é mantida pela atração quase magnética que a atuação de Alessandra Negrini gera e o ótimo design de som, que acompanha e complementa o humor de Violeta variando entre ruidoso, tranquilo e inquieto. Assim, alternando entre momentos de ternura e outros de cortar o coração, O Abismo Prateado se torna uma viagem emocional poderosa pelos desvarios de uma mulher traída, da qual é difícil sair ileso.




P.S.: é curioso como, mesmo sendo baseado em ‘Olhos Nos Olhos’, de Chico Buarque, o filme pode acabar lembrando mais de ‘Morena dos Olhos D’Água’, pelo menos superficialmente:

“Morena dos olhos d’água/tira os seus olhos do mar/vem ver que a vida ainda vale o sorriso que eu tenho pra lhe dar/o seu homem foi embora/prometendo voltar já/mas as ondas não tem hora, morena, partir ou de voltar...”

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