No começo do filme, o marido de Violeta é mostrado nadando
no raso, sob controle, mesmo mostrando um pouco de tensão e mergulhando pra
evitar as ondas. Quando ele deixa Violeta, é como se ela fosse pega de surpresa
por uma onda e fosse puxada pra baixo, pro “abismo prateado” de areia e
profundeza. Violeta fica atordoada com a violência e o susto do rolar das águas,
e quando ela finalmente consegue emergir, a maré já a levou para outro lugar da
praia.
O filme de Karim Ainouz se concentra num único dia, num
ciclo de maré, um ciclo de onde Violeta sai renovada, “refeita, pode crer. Se
no começo ela parecia segura de si e de seu amor pelo marido, pelo filho e pela
vida que leva com eles, o marido esconde em sua tensão e inquietação um
desprezo por Violeta que a deixaria destruída emocionalmente. Com a proposta de
acompanhar o processo de recuperação da protagonista, O Abismo Prateado não desgruda de Alessandra Negrini, mantendo a
câmera bem próxima para captar cada nuance de emoção de seu rosto. Sem a
oportunidade de ter um esperado confronto com o marido, que termina o
relacionamento por mensagem de voz e corta qualquer comunicação possível,
Violeta é deixada a sós para lidar com a perda, com a exceção de um conflito
breve com uma mulher que aparentemente é sua cunhada (Violeta, coitada, parece
ser “a última a saber”). Isso a deixa sem saber pra onde atirar, pra onde
extravasar, o que torna sua confusão ainda maior. Alessandra Negrini se utiliza
disso para tornar sua personagem imprevisível, e dá a ela uma atuação de várias
dimensões. Violeta não só é louca como também pode ser carinhosa, carente e
maternal, principalmente após fazer amizade com uma menina num banheiro público.
Ela só parece recuperar o controle quando diz “Acho que meu marido me abandonou”,
assim, como quem diz que está com gripe ou que esqueceu de apagar a luz da sala
antes de sair.
Os personagens secundários recebem atenção limitada
comparados a Violeta, mas esses desconhecidos que ela vai encontrando pelas
ruas ao longo da noite acabam encontrando formas de se encaixar em sua estória,
ensinando-a a lidar com a separação. A participação desses personagens beira o
clichê uma vez ou outra, mas cumpre bem seu papel. Até por abranger um espaço
de tempo tão reduzido, o filme acaba dando margem a tempos mortos, pausas e
silêncios, que às vezes podem parecer desnecessários mas que acabam dando
realismo à trama, e realçando o lado solitário da noite de Violeta e explorando
detalhes que passariam despercebidos em outras narrativas. Mesmo com passagens um
pouco entediantes em alguns momentos, a atenção é mantida pela atração quase
magnética que a atuação de Alessandra Negrini gera e o ótimo design de som, que
acompanha e complementa o humor de Violeta variando entre ruidoso, tranquilo e
inquieto. Assim, alternando entre momentos de ternura e outros de cortar o coração, O Abismo Prateado se torna uma viagem emocional poderosa pelos desvarios de uma mulher traída, da qual é difícil sair ileso.
P.S.: é curioso
como, mesmo sendo baseado em ‘Olhos Nos Olhos’, de Chico Buarque, o filme pode
acabar lembrando mais de ‘Morena dos Olhos D’Água’, pelo menos superficialmente:
“Morena dos olhos d’água/tira os seus olhos do mar/vem ver
que a vida ainda vale o sorriso que eu tenho pra lhe dar/o seu homem foi
embora/prometendo voltar já/mas as ondas não tem hora, morena, partir ou
de voltar...”
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