10 de agosto de 2014

Medo e Delírio em Las Vegas (Terry Gilliam, 1998)


Tentar avaliar este filme com critérios tradicionais ou “quadrados” (como disse o bizarro especialista em narcóticos do filme) é perda de tempo, ou simplesmente um erro. Ele não tem compromisso com estruturas convencionais ou noções habituais de desenvolvimento dramático, plot ou “mensagem”. Ou com precisão histórica, já que mostra Grace Slick cantando “Somebody To Love” “em 1965” (!!!).

Seu compromisso é com a própria viaaaaaagem psicodélica de seus personagens principais, focados em sua jornada escapista sem passado ou futuro (poucos segundos de “Sgt. Peppers’ Lonely Hearts Club Band” já os fazem gargalhar: “entramos numa máquina do tempo!”), em busca de uma versão distorcida, hedonista e de cabeça pra baixo do American Dream. Uma jornada em que a estrada não tem destino final aparente e o que parece importar é a apreciar a vista e, principalmente, tentar se manter vivo. E, afinal de contas, que cidade melhor para materializar o sonho americano em toda a sua disfunção do que Las Veja, com seu consumismo desenfreado, suas luzes piscando, e seus cassinos sem janelas juntando todo o tipo de freaks, tudo isso no meio do deserto?

Em questão de transmitir o aspecto de uma viagem psicodélica através da estética, é difícil pedir muito mais do filme. É até difícil lembrar de muitas cenas em que os personagens principais estejam completamente sóbrios, ou seja, uma cena filmada de maneira sóbria. As cores são frequentemente estouradas ou destacadas por luzes fortes com filtros de cor, a velocidade dos movimentos parece diminuir ou aumentar conforme a droga que está sendo consumida no momento, os closes são frequentemente filmados com lentes que deformam os rostos ou os tornam estranhos, a câmera muitas vezes parece tonta ao flutuar para cá e para lá sem conseguir se fixar em canto algum, sons estranhos e músicas aparecem do nada, a direção de arte é extravagante e “over-the-top”, personagens são caracterizados com os traços caricaturais e exagerados dos filmes de Fellini, sem falar nas cenas realmente bizarras com morcegos voando (aliás, a visão do morcego morto na estrada prova o quanto o filme traz à tona o mundo particular dos personagens), o zoológico de répteis ou Del Toro se transformando num demônio com peitos. Mais importantemente que tudo isso, Johnny Depp e Benicio Del Toro estão ótimos, e são essenciais em tornar o filme uma experiência hilária, mas também assustadora, principalmente nas cenas em que o Dr. Gonzo pega sua faca e mostra uma faceta mais sombria trazida à tona pelas drogas.

Em meio a tudo isso, também é interessante tentar separar o que é viagem do que é real no personagem de Hunter. Afinal de contas, tudo aquilo é Hunter ou ele está simplesmente interpretando o personagem (ou alter-ego) Raoul Duke? Existe mesmo uma pessoa inteligente sob toda aquela loucura? O Hunter de verdade é o reflexivo que filosofa sobre a falta de rumo da geração hippie e seu completo insucesso em manter sua vida profissional em ordem ou o que sugere conseguir dinheiro ao fazer policiais nojentos sodomizarem a menina Lucy? No fim das contas, essa linha borrada entre delírio e sobriedade na caracterização do personagem marca a própria visão de Hunter sobre a realidade. Ou seja, a visão a partir do qual o filme é construído.

Mesmo com todos esses atributos, o filme não glorifica a cultura das drogas, mas também não a coloca sob um viés moralista. O que se sobressai é o desencantamento que veio junto com a decadência do ideal hippie e o começo dos anos 1970 e suas decepções. O “summer of love” tinha passado, deixando o país ainda às voltas com as “bad trips” reais que foram a Guerra do Vietnã e o governo Nixon. O que sobrou foi a oportunidade para cada um explorar suas viagens pessoais, no hedonismo que marcaram a década pós-Woodstock. E não falo exclusivamente dos personagens principais, ou dos hippies. Basta olhar para a menina Lucy com suas dúzias de quadros de Barbra Streisand, os policiais paranoicos (e violentíssimos) com os usuários de maconha, o fotógrafo sempre empolgado e obcecado com “cobertura total” e variações de lentes, ou o policial machão-porém-gay-enrustido. Sob os óculos amarelos e satíricos de Hunter Thompson, o que parece é que todos estão sob o efeito de seu próprio tipo de drogas, ou em sua própria viagem com sua própria visão distorcida da realidade – exatamente a mensagem de “White Rabbit”, do Jefferson Airplane, por trás de todas aquelas alusões e jogos de palavras com “Alice no País das Maravilhas”. A diferença é que umas viagens são mais perigosas – ou divertidas – que outras. 

Um comentário:

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