22 de agosto de 2014

O Grande Hotel Budapeste (Wes Anderson, 2013)


A narrativa do filme pode até ser baseada numa estória escrita pelo autor lida por uma menina, que é baseada na estória que ele ouviu, que por sua vez é baseada no que Zero viveu, mas o contador de estórias principal aqui é o próprio Wes Anderson, que parece ter se superado nesta empreitada. A aventura de Zero e do Hotel Budapeste é grandiosa, quase épica, mas contada de uma maneira tão sutil e despretensiosa que desarma e encanta o espectador com facilidade.

Mas não se pode confundir essa sutileza com carência, já que há no filme uma estética bastante rigorosa e particular evidente em vários aspectos (de fato, só sendo muito rigoroso para usar três formatos de tela diferentes para três linhas temporais diferentes), desde o ritmo e linguajar dos diálogos até a geometria das composições e figurino dos personagens, todos marcados por uma mistura de delicadeza, exagero e finesse que deixam claro a assinatura do diretor. Além disso, eles funcionam em papéis e trejeitos bem definidos, como peças de um tabuleiro de xadrez, sempre com um ar de decoro e elegância, e suas características aumentadas de proporção com exagero, como as caricaturas humanas dos filmes de Fellini.

Entretanto, esse rigor na pose dos personagens e na composição dos cenários é constantemente contrastado e desafiado por descontrole emocional e comportamentos que não condizem com diversas situações, além de uma exploração dos espaços feita com movimentos de câmera e mudanças de perspectivas frequentes. Com isso, o filme desafia as expectativas do espectador e o mantém alimentado com surpresas e novas informações a todo o instante, mesmo que apresentadas de forma discreta. A capacidade do diretor para lidar com piadas visuais em particular é impressionante, como na cena em que Zero se depara com o portão gigantesco da prisão, e só depois percebe que ele é minúsculo, através de uma mudança de perspectiva/plano.

Assim como em Moonrise Kingdom (2012) Anderson demonstrava nostalgia pelo espírito de revolta juvenil dos anos 1950/60, aqui ele apresenta uma Europa idealizada, prestes a ser tomada pela sombra do fascismo e pela modernidade. Uma Europa onde certo senso de pomposidade e requinte ainda são possíveis. Nesta fantasia, o mal é personificado nas figuras da família Desgoffe und Taxis, enquanto o Monsieur Gustave, com toda a sua elegância culta e seu perfume (“L’Air de Panache” – não poderia haver nome melhor) representa o espírito fantasioso do Hotel. Nesse sentido, o próprio fato do escritor não ter voltado lá reforça a ideia de uma realidade idealizada, ilusória, perdida no tempo.

Outros sinais da nostalgia de Anderson pelo passado e de seu tom leve estão presentes na sua preferência por filmar maquetes e brinquedos para cenas de exterior, e nas cenas aceleradas artificialmente como recurso cômico. No caso, seu olhar se volta para as comédias do cinema mudo, ou seja, o cinema da época retratada na maioria do filme.

Temas tensos ou complicados como guerra, assassinato e descoberta do amor até são incluídos no filme de tempos em tempos, mas tudo é colocado de uma maneira irônica, cínica e leve. Ou seja, sob os óculos cor-de-rosa de Wes Anderson. Mesmo assim, uma melancolia leve pode ser percebida aqui e ali, ainda que o diretor nunca caia no melodrama. Quando não servem como exercícios de estilo (recitação de poemas por M. Gustave e Zero) ou amostras de fofura (cenas de Agatha com Zero em geral), as demonstrações de afeto são usadas como recurso cômico (M. Gustave e Zero em frente à prisão).

Novamente, o elenco é repleto de participações de estrelas e atores da “Companhia de Teatro de Wes Anderson” (assim como Bergman tinha uma trupe própria), mesmo que seja só por uma ou duas cenas (como Bill Murray). Mas nada disso funcionaria sem a atuação de Ralph Fiennes, que rende um M. Gustave fascinante, numa mistura de charme, vulgaridade e pompa. Mas a revelação Tony Revolori também rouba a cena em várias cenas como o estranho-porém-carismático lobby boy Zero.

Outra figura que volta a marcar presença é o compositor Alexandre Desplat, que produz uma trilha sonora delicada, leve, estilosa e até um pouco pomposa, que casa perfeitamente com o espírito do filme – ou é essencial para construí-lo. A trilha também está em ótima sintonia com o ritmo, mantendo-o em movimento, com cenas, detalhes e piadas entrando e saindo da tela sem pausa para respirar. Desplat também adiciona uma variedade de cores e estados de espírito ao filme, como quando capricha na atmosfera de terror nas cenas de perseguição e assassinato, ou dá um toque lírico e romântico às cenas de Aghata com Zero.


Já a câmera se faz ainda mais ativa e presente que no filme anterior, com frequentes movimentos laterais e precisos que revelam novos detalhes às cenas, ou longos zoom-ins – duas coisas que lembram o estilo de Stanley Kubrick. E assim como nos filmes de Kubrick, os poucos close-ups são usados a grande efeito, sendo o mais notável deles um plano lindo que mostra o rosto de Saoirse Ronan (Aghata) sendo iluminado por várias lâmpadas coloridas enquanto ela gira num carrossel lentamente. Um plano daqueles de se transformar em pôster e colocar na parede.

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