14 de janeiro de 2014

Minha Noite Com Ela (Eric Rohmer, 1969)


            Rohmer sempre tem algumas surpresas na manga, e elas são essenciais para manter seus filmes interessantes, mas isso nunca o impede de ser honesto e claro com o público e seus próprios personagens. Aliás, poucos diretores dão tanta margem para seus personagens exporem suas ideias, trejeitos e segredos quanto Rohmer. Em Minha Noite Com Ela e em qualquer outro filme do diretor, a discussões das ideias e motivações (particularmente neste caso, ideias sobre amor, moral e religião) é essencial para os personagens de Rohmer. O que impressiona é que essas discussões demonstram espontaneidade e informalidade, sempre com fluidez e atenção ao ritmo e às pausas, mas nunca soam rasas ou previsíveis. Os personagens podem até dar a impressão de estarem definidos e com cartas marcadas desde o começo, mas camadas e mais camadas vão se desvelando conforme as conversas avançam, fazendo eles parecerem pessoas autênticas, reais.
            Essa ideia de que é preciso deixar as coisas parecendo tão reais quanto possível é importante também para a estética de Rohmer, bastante simples e com mínima manipulação por meio de música, montagem ou o que quer seja. Em Minha Noite Com Ela até mais que em filmes posteriores do diretor, o “tempo real” também é respeitado, com uma quantidade razoável de tomadas de alguns minutos, geralmente focadas nas falas de uma só pessoa. Assim, o trabalho dos atores em imprimir um ritmo envolvente e interessante ao diálogo é importantíssimo, e os atores principais do filme não decepcionam, principalmente Jean-Louis Trintignant e Françoise Fabian, que têm performances ótimas.
            Apesar de abordar a estética e a forma de uma maneira simples e até conservadora, Rohmer não deixa de apresentar elementos visuais interessantes em seus filmes, principalmente os com o diretor de fotografia Nestor Almendros. Neste filme, Almendros faz um ótimo trabalho ao usar a luz natural do inverno francês, num preto e branco que captura e respeita o brilho da neve, dos postes à noite e das decorações natalinas em composições simples, sem apelar para ângulos rebuscados ou movimentos de câmera muito elaborados. O posicionamento dos atores na composição também é importante, sempre se alterando conforme a cena se desenvolve e as relações entre os personagens mudam, como na longa cena na casa de Maud.
            As cenas em que o personagem de Trintignant corre atrás e perde “a loira” (com uma câmera que às vezes lembra Scottie seguindo Madeleine em Um Corpo Que Cai) ou a cena em que ele a acha no meio da rua mostram o quanto Rohmer faz questão de usar o acaso e a surpresa como elementos que impulsionam a narrativa de seus filmes. De fato, nenhum diretor faz o acaso parecer tão genuíno e “realista” quanto ele. Assim como nos outros filmes da série de Contos Morais, a conclusão do filme não apresenta uma conclusão propriamente dita ou qualquer tipo de lição de moral definitiva. Rohmer se delicia em ver seus protagonistas apresentarem seus próprios padrões e conceitos morais, só para força-los a tomar decisões que testam e questionam esses mesmos conceitos.
            Minha Noite Com Ela tem o que o cinema de Rohmer melhor tem a oferecer: é imprevisível mas tangível e autêntico ao mesmo tempo, parece real como a vida, tem bons personagens e um enredo despretensioso e recheado de acaso como só a ficção pode oferecer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário