Rohmer sempre tem algumas surpresas
na manga, e elas são essenciais para manter seus filmes interessantes, mas isso
nunca o impede de ser honesto e claro com o público e seus próprios
personagens. Aliás, poucos diretores dão tanta margem para seus personagens
exporem suas ideias, trejeitos e segredos quanto Rohmer. Em Minha Noite Com Ela e em qualquer outro
filme do diretor, a discussões das ideias e motivações (particularmente neste
caso, ideias sobre amor, moral e religião) é essencial para os personagens de
Rohmer. O que impressiona é que essas discussões demonstram espontaneidade e
informalidade, sempre com fluidez e atenção ao ritmo e às pausas, mas nunca
soam rasas ou previsíveis. Os personagens podem até dar a impressão de estarem
definidos e com cartas marcadas desde o começo, mas camadas e mais camadas vão
se desvelando conforme as conversas avançam, fazendo eles parecerem pessoas
autênticas, reais.
Essa ideia de que é preciso deixar
as coisas parecendo tão reais quanto possível é importante também para a
estética de Rohmer, bastante simples e com mínima manipulação por meio de
música, montagem ou o que quer seja. Em Minha
Noite Com Ela até mais que em filmes posteriores do diretor, o “tempo real”
também é respeitado, com uma quantidade razoável de tomadas de alguns minutos,
geralmente focadas nas falas de uma só pessoa. Assim, o trabalho dos atores em
imprimir um ritmo envolvente e interessante ao diálogo é importantíssimo, e os
atores principais do filme não decepcionam, principalmente Jean-Louis
Trintignant e Françoise Fabian, que têm performances ótimas.
Apesar de abordar a estética e a
forma de uma maneira simples e até conservadora, Rohmer não deixa de apresentar
elementos visuais interessantes em seus filmes, principalmente os com o diretor
de fotografia Nestor Almendros. Neste filme, Almendros faz um ótimo trabalho ao
usar a luz natural do inverno francês, num preto e branco que captura e
respeita o brilho da neve, dos postes à noite e das decorações natalinas em
composições simples, sem apelar para ângulos rebuscados ou movimentos de câmera
muito elaborados. O posicionamento dos atores na composição também é
importante, sempre se alterando conforme a cena se desenvolve e as relações
entre os personagens mudam, como na longa cena na casa de Maud.
As cenas em que o personagem de
Trintignant corre atrás e perde “a loira” (com uma câmera que às vezes lembra
Scottie seguindo Madeleine em Um Corpo
Que Cai) ou a cena em que ele a acha no meio da rua mostram o quanto Rohmer
faz questão de usar o acaso e a surpresa como elementos que impulsionam a
narrativa de seus filmes. De fato, nenhum diretor faz o acaso parecer tão
genuíno e “realista” quanto ele. Assim
como nos outros filmes da série de Contos Morais, a conclusão do filme não
apresenta uma conclusão propriamente dita ou qualquer tipo de lição de moral
definitiva. Rohmer se delicia em ver seus protagonistas apresentarem seus
próprios padrões e conceitos morais, só para força-los a tomar decisões que
testam e questionam esses mesmos conceitos.
Minha
Noite Com Ela tem o que o cinema de Rohmer melhor tem a oferecer: é imprevisível
mas tangível e autêntico ao mesmo tempo, parece real como a vida, tem bons
personagens e um enredo despretensioso e recheado de acaso como só a ficção
pode oferecer.
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