5 de novembro de 2014

Obra (Gregório Graziosi, 2014)


Obra (Gregório Grazioli, 2014) é um filme com (quase que unicamente) por planos lindos (ou pelo menos que querem ser lindos), ok, mas ao seu fim eu admito que minha dificuldade foi encontrar nele algum uso futuro além de imagens/stills bonitas para hipsters cinéfilos colocarem em seus Tumblrs, loucos para enfeitar seus blogs com a beleza das paisagens, enquadramentos e jogos de luz e sombra em preto e branco do filme – personagens à parte. A impressão que se tem às vezes é a de se estar ouvindo uma música ambiente (das boas), ou vendo um daqueles quadros sofisticados de uma só cor que imitam o expressionismo abstrato, e rapidamente vão parando de atrair a atenção dos olhos.

Talvez numa tentativa de se manter equilibrado, o filme acaba dando lugar à monotonia, já que, por mais que as composições sejam lindas por si só, elas acabam perdendo o impacto quando todas elas são pensadas para serem bonitas. Da mesma forma, o fato de praticamente todas as tomadas apresentarem um ritmo lento – tanto em quantidade de informações e velocidade das ações mostradas quanto em duração – acaba dificultando bastante a ideia de pausa, com essa falta de variação tornando o filme engessado, arrastado, moroso. Além disso, e mais importantemente, a falta de ações por parte dos personagens ou dispositivos narrativos suficientes para carregarem o interesse do espectador ao longo do filme também dificultam a apreciação e podem até dar uma sensação de tédio.

De certo modo, a distância e a frieza com que as ações são filmadas reflete o jeito (excessivamente) austero e seco com que os dramas e temas humanos são tratados. O filme até consegue tocar em temas como isolamento, incomunicabilidade, opressão das pessoas diante da grandiosidade da metrópole e alienação tanto entre homem e mulher quanto entre diferentes gerações, mas sempre de forma vaga e longe de ser realmente instigante. Os diálogos, falados num ritmo excessivamente pausado e lento, soam falsos em vários momentos, e parecem enxutos e cortados numa abordagem que pretende ser simples e direta ao se ater ao essencial, mas que termina erradicando a naturalidade dos diálogos. Às vezes, é como se todos os personagens só falassem sobre os temas importantes do filme, direto ao ponto, sem os floreios, descaminhos e sutilezas de uma conversa costumeira.

No filme, fica claro desde o primeiro minuto que Graziosi se inspira amplamente na estética do italiano Michelangelo Antonioni, que ganhou notoriedade por abordar a alienação do homem e mulher modernos através de um estilo com ênfase em elipses, pausas, um conceito torto de “ação”, composições rigorosas e uso de imagens e da arquitetura para transmitir sensações, principalmente em seus filmes com Monica Vitti no início dos anos 1960: A Aventura (1960), A Noite (1961), O Eclipse (1963) e Deserto Vermelho (1964). No entanto, o que o Graziosi parece não conseguir emular em Obra é o fato de Antonioni mostrar, por trás (ou indo além) do estilo arquitetural, uma preocupação genuína com conflitos, anseios e relações humanas, coisas que parecem estar em segundo ou terceiro plano em Obra. E se Antonioni conseguia abordar a incomunicabilidade do homem moderno é porque os personagens de seus filmes realmente tentavam e ansiavam se comunicar, por mais difícil que isso parecesse para eles, enquanto os personagens de Obra (em especial o personagem principal) parecem quase propositalmente (ou excessivamente) lacônicos em alguns momentos, até porque este lado deles é pouquíssimo tensionado de verdade – seja direta ou indiretamente. Além disso, por mais que os personagens dos filmes de Antonioni divaguem e vagueiem pelos espaços, o diretor sempre nos dá esperança de algum tipo de possibilidade de mudança ou resolução, mesmo que seja baseada em questionamento (como em A Noite) ou ausência (como em O Eclipse). Em Obra, o protagonista parece mergulhado em tamanha inércia que o interesse em algum tipo de mudança ou solução para ele vai se esvaindo com o tempo.

Na verdade, Graziosi já mostrava uma tendência a enfatizar a comunicação através de imagens e um uso dramático de estruturas arquitetônicas no seu curta Monumento (2012), e em Obra isso até rende alguns bons momentos – sim, o filme os tem, é claro. Os efeitos sonoros durante e logo após a descoberta dos cadáveres na obra da família do protagonista – taí uma coisa que Obra tem em comum com os filmes de Antonioni... nos dois casos eu não consigo lembrar direito do nome dos personagens – funcionam bem em estabelecer tensão e expressar o horror mudo do protagonista. No resto do filme, a trilha sonora aparece vez ou outra, e com pouco destaque. Bem mais frequentes são os planos da cidade de São Paulo e de seus prédios – que muitas vezes ocupam o quadro quase inteiro -, retratados sempre de forma opressora, invasora, o que, quando a montagem ajuda, reflete bem o estado emocional lacônico e fechado do protagonista.

Irandhir Santos, por sua vez, até se esforça bastante em dar expressão a um protagonista que mal consegue se entender com seus próprios sentimentos e ansiedades, mas esbarra em um roteiro com diálogos de pouca fluidez, como já foi mencionado. Ele (o roteiro) até apresenta metáforas válidas, apesar de tanta ênfase à expressão visual. Entre as principais estão a tentativa do protagonista de restaurar uma igreja como equivalente à sua tentativa de reestabelecer uma conexão há muito perdida com os familiares e pessoas próximas, ou a hérnia na coluna hereditária justamente numa família de construtores, sinalizando a corrupção e sujeira no alicerce do prédio em construção ao longo do filme, e o nascimento do filho do protagonista como uma possibilidade futura de maior conexão afetiva com a família – ou até uma certa purificação dela -, além de representar finalmente um sucesso por parte do arquiteto – considerando que seu ousado e elegante projeto parece longe de se concretizar. No entanto, esse cuidado com as metáforas não remedia a aparente falta de desenvolvimento da narrativa, que parece estática – como os personagens - em vários momentos.


No geral, Obra mostra talvez o maior perigo de se basear um filme numa narrativa e num ritmo lento, contemplativo: o de ver o filme sucumbir a uma letargia que acaba sugando sua vida, mesmo que ele seja ornamentado com tanta beleza (ou de um jeito que insiste em ser belo). 

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