Obra (Gregório Grazioli, 2014) é um filme com (quase que
unicamente) por planos lindos (ou pelo menos que querem ser lindos), ok, mas ao
seu fim eu admito que minha dificuldade foi encontrar nele algum uso futuro
além de imagens/stills bonitas para
hipsters cinéfilos colocarem em seus Tumblrs, loucos para enfeitar seus blogs
com a beleza das paisagens, enquadramentos e jogos de luz e sombra em preto e
branco do filme – personagens à parte. A impressão que se tem às vezes é a de
se estar ouvindo uma música ambiente (das boas), ou vendo um daqueles quadros
sofisticados de uma só cor que imitam o expressionismo abstrato, e rapidamente
vão parando de atrair a atenção dos olhos.
Talvez numa
tentativa de se manter equilibrado, o filme acaba dando lugar à monotonia, já
que, por mais que as composições sejam lindas por si só, elas acabam perdendo o
impacto quando todas elas são
pensadas para serem bonitas. Da mesma forma, o fato de praticamente todas as
tomadas apresentarem um ritmo lento – tanto em quantidade de informações e
velocidade das ações mostradas quanto em duração – acaba dificultando bastante
a ideia de pausa, com essa falta de variação tornando o filme engessado,
arrastado, moroso. Além disso, e mais importantemente, a falta de ações por
parte dos personagens ou dispositivos narrativos suficientes para carregarem o
interesse do espectador ao longo do filme também dificultam a apreciação e
podem até dar uma sensação de tédio.
De certo modo, a
distância e a frieza com que as ações são filmadas reflete o jeito (excessivamente)
austero e seco com que os dramas e temas humanos são tratados. O filme até
consegue tocar em temas como isolamento, incomunicabilidade, opressão das
pessoas diante da grandiosidade da metrópole e alienação tanto entre homem e
mulher quanto entre diferentes gerações, mas sempre de forma vaga e longe de
ser realmente instigante. Os diálogos, falados num ritmo excessivamente pausado
e lento, soam falsos em vários momentos, e parecem enxutos e cortados numa
abordagem que pretende ser simples e direta ao se ater ao essencial, mas que
termina erradicando a naturalidade dos diálogos. Às vezes, é como se todos os
personagens só falassem sobre os temas importantes do filme, direto ao ponto,
sem os floreios, descaminhos e sutilezas de uma conversa costumeira.
No filme, fica
claro desde o primeiro minuto que Graziosi se inspira amplamente na estética do
italiano Michelangelo Antonioni, que ganhou notoriedade por abordar a alienação
do homem e mulher modernos através de um estilo com ênfase em elipses, pausas, um
conceito torto de “ação”, composições rigorosas e uso de imagens e da arquitetura
para transmitir sensações, principalmente em seus filmes com Monica Vitti no
início dos anos 1960: A Aventura
(1960), A Noite (1961), O Eclipse (1963) e Deserto Vermelho (1964). No entanto, o que o Graziosi parece não
conseguir emular em Obra é o fato de
Antonioni mostrar, por trás (ou indo além) do estilo arquitetural, uma
preocupação genuína com conflitos, anseios e relações humanas, coisas que
parecem estar em segundo ou terceiro plano em Obra. E se Antonioni conseguia abordar a incomunicabilidade do homem
moderno é porque os personagens de seus filmes realmente tentavam e ansiavam se
comunicar, por mais difícil que isso parecesse para eles, enquanto os
personagens de Obra (em especial o
personagem principal) parecem quase propositalmente (ou excessivamente) lacônicos
em alguns momentos, até porque este lado deles é pouquíssimo tensionado de
verdade – seja direta ou indiretamente. Além disso, por mais que os personagens
dos filmes de Antonioni divaguem e vagueiem pelos espaços, o diretor sempre nos
dá esperança de algum tipo de possibilidade de mudança ou resolução, mesmo que
seja baseada em questionamento (como em A
Noite) ou ausência (como em O Eclipse).
Em Obra, o protagonista parece
mergulhado em tamanha inércia que o interesse em algum tipo de mudança ou solução
para ele vai se esvaindo com o tempo.
Na verdade, Graziosi
já mostrava uma tendência a enfatizar a comunicação através de imagens e um uso
dramático de estruturas arquitetônicas no seu curta Monumento (2012), e em Obra
isso até rende alguns bons momentos – sim, o filme os tem, é claro. Os efeitos
sonoros durante e logo após a descoberta dos cadáveres na obra da família do
protagonista – taí uma coisa que Obra
tem em comum com os filmes de Antonioni... nos dois casos eu não consigo
lembrar direito do nome dos personagens – funcionam bem em estabelecer tensão e
expressar o horror mudo do protagonista. No resto do filme, a trilha sonora
aparece vez ou outra, e com pouco destaque. Bem mais frequentes são os planos
da cidade de São Paulo e de seus prédios – que muitas vezes ocupam o quadro
quase inteiro -, retratados sempre de forma opressora, invasora, o que, quando
a montagem ajuda, reflete bem o estado emocional lacônico e fechado do
protagonista.
Irandhir Santos,
por sua vez, até se esforça bastante em dar expressão a um protagonista que mal
consegue se entender com seus próprios sentimentos e ansiedades, mas esbarra em
um roteiro com diálogos de pouca fluidez, como já foi mencionado. Ele (o
roteiro) até apresenta metáforas válidas, apesar de tanta ênfase à expressão
visual. Entre as principais estão a tentativa do protagonista de restaurar uma
igreja como equivalente à sua tentativa de reestabelecer uma conexão há muito
perdida com os familiares e pessoas próximas, ou a hérnia na coluna hereditária
justamente numa família de construtores, sinalizando a corrupção e sujeira no
alicerce do prédio em construção ao longo do filme, e o nascimento do filho do
protagonista como uma possibilidade futura de maior conexão afetiva com a família
– ou até uma certa purificação dela -, além de representar finalmente um
sucesso por parte do arquiteto – considerando que seu ousado e elegante projeto
parece longe de se concretizar. No entanto, esse cuidado com as metáforas não
remedia a aparente falta de desenvolvimento da narrativa, que parece estática –
como os personagens - em vários momentos.
No geral, Obra mostra talvez o maior perigo de se
basear um filme numa narrativa e num ritmo lento, contemplativo: o de ver o
filme sucumbir a uma letargia que acaba sugando sua vida, mesmo que ele seja
ornamentado com tanta beleza (ou de um jeito que insiste em ser belo).
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