11 de fevereiro de 2014

Trapaça (David O. Russell, 2013)



Pra um filme que se propõe a mostrar as empreitadas (nem sempre dentro dos limites da legalidade e sanidade) de seus protagonistas através do ponto de vista deles, Trapaça (David O. Russell, 2013) parece surpreendentemente limpo, inocente. A visão sobre os fatos não parece idealizada ou pessoal, e sim inofensiva e quase pueril. A estética do filme também não dá sinais contundentes de ser guiadas pelos personagens, e até as narrações em off não ajudam muito, raramente conseguindo soar interessantes ou perceptivas. Ao invés disso, o que prevalece é o olhar exagerado e melodramático do diretor David Russell, e seu gosto por situações absurdas e direção de arte exagerada (ok, estamos nos anos 70, deu pra entender).

Mais uma vez, ele tinge a narrativa com a maior carga dramática que consegue imaginar, criando situações de conflito e discussão que se tornam plataformas para a consagração de seu time de atores, mas que por vezes parecem forçadas ou desnecessárias. Um prato cheio pra quem acha que atuar bem é fazer escândalos ou loucuras a torto e a direito. Claro, não há como negar que o elenco tenha momentos em que mostram boa interpretação e interação, como na briga entre as personagens de Amy Adams e Jennifer Lawrence, mas parte considerável dos diálogos soa artificial e “over-the-top”, com personagens que têm dificuldade para parecerem genuínos. A própria construção dos personagens segue em parte à cartilha do próprio Russell, com tipos levemente loucos ou disfuncionais, “bigger than life” e incapazes de tomar o controle de suas próprias vidas. A estrutura familiar fragilizada e a busca de um “american way of life” torto também estão presentes, personificas principalmente no personagem de Christian Bale.

A abordagem de Rusell é bastante similar à de Martin Scorsese em filmes como Os Bons Companheiros (1990) e Cassino (199          5) (pra não dizer que é uma imitação, o que não estaria longe da verdade), protagonizados por homens gananciosos envolvidos com mulheres loucas e ambiciosas, que se apaixonam por uma vida de farsa e glamour até acabarem deixando escapar seu poder e senso de moral. Vários elementos típicos de Scorsese estão presentes em Trapaça, como os planos-sequência e movimentos elaborados de câmera, o uso frequente de trechos de músicas pop para dar ritmo e “clima” às cenas, as tomadas em câmera lenta, as já mencionadas narrações em off e um certo brilho e pompa no ar. Esses traços de estilo até chegam a funcionar bem em alguns momentos, mas nenhum deles chega a funcionar tão bem quanto num filme de Scorsese. Os movimentos de câmera, em especial, muitas vezes parecem exagerados e sem propósito aparente. Até Christian Bale parece imitar alguns trejeitos de Robert DeNiro na cena em que eles interagem. Sim, Robert DeNiro, protagonista dos dois filmes de Scorsese citados e de muitos outros do diretor, faz uma participação especial como um gângster perigoso, servindo como um contraste que faz os protagonistas parecerem mais inocentes e humanos (ou seja, propensos ao melodrama, de certa forma).

Em seus melhores momentos, Trapaça é divertido e instigante, com boas interações entre seus protagonistas. Em seu pior, o filme é capaz de dar desaceleradas bruscas no ritmo ou de perder a capacidade de manter o interesse do espectador (a amizade de Carmine e Irving, por exemplo, soa completamente enfadonha, assim como outros rumos estranhos tomados pelo roteiro), ou parece simplesmente bizarro, como na cena em que Edith grita num banheiro como se fosse uma pantera (e com o som de uma!) ou quebra um retrato de vidro no rosto de Richie, numa cena pessimamente montada.

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