Pra
um filme que se propõe a mostrar as empreitadas (nem sempre dentro dos limites da
legalidade e sanidade) de seus protagonistas através do ponto de vista deles, Trapaça (David O. Russell, 2013) parece
surpreendentemente limpo, inocente. A visão sobre os fatos não parece
idealizada ou pessoal, e sim inofensiva e quase pueril. A estética do filme
também não dá sinais contundentes de ser guiadas pelos personagens, e até as
narrações em off não ajudam muito, raramente
conseguindo soar interessantes ou perceptivas. Ao invés disso, o que prevalece
é o olhar exagerado e melodramático do diretor David Russell, e seu gosto por situações absurdas e direção de arte exagerada (ok, estamos nos anos 70, deu pra entender).
Mais
uma vez, ele tinge a narrativa com a maior carga dramática que consegue
imaginar, criando situações de conflito e discussão que se tornam plataformas
para a consagração de seu time de atores, mas que por vezes parecem forçadas ou
desnecessárias. Um prato cheio pra quem acha que atuar bem é fazer escândalos
ou loucuras a torto e a direito. Claro, não há como negar que o elenco tenha
momentos em que mostram boa interpretação e interação, como na briga entre as
personagens de Amy Adams e Jennifer Lawrence, mas parte considerável dos
diálogos soa artificial e “over-the-top”, com personagens que têm dificuldade
para parecerem genuínos. A própria construção dos personagens segue em parte à
cartilha do próprio Russell, com tipos levemente loucos ou disfuncionais, “bigger
than life” e incapazes de tomar o controle de suas próprias vidas. A estrutura
familiar fragilizada e a busca de um “american way of life” torto também estão
presentes, personificas principalmente no personagem de Christian Bale.
A
abordagem de Rusell é bastante similar à de Martin Scorsese em filmes como Os Bons Companheiros (1990) e Cassino (199 5) (pra não dizer que é uma imitação, o que não estaria
longe da verdade), protagonizados por homens gananciosos envolvidos com
mulheres loucas e ambiciosas, que se apaixonam por uma vida de farsa e glamour
até acabarem deixando escapar seu poder e senso de moral. Vários elementos
típicos de Scorsese estão presentes em Trapaça,
como os planos-sequência e movimentos elaborados de câmera, o uso frequente de trechos
de músicas pop para dar ritmo e “clima” às cenas, as tomadas em câmera lenta,
as já mencionadas narrações em off e um certo brilho e pompa no ar. Esses
traços de estilo até chegam a funcionar bem em alguns momentos, mas nenhum
deles chega a funcionar tão bem quanto num filme de Scorsese. Os movimentos de
câmera, em especial, muitas vezes parecem exagerados e sem propósito aparente. Até
Christian Bale parece imitar alguns trejeitos de Robert DeNiro na cena em que eles
interagem. Sim, Robert DeNiro, protagonista dos dois filmes de Scorsese citados
e de muitos outros do diretor, faz uma participação especial como um gângster
perigoso, servindo como um contraste que faz os protagonistas parecerem mais
inocentes e humanos (ou seja, propensos ao melodrama, de certa forma).
Em
seus melhores momentos, Trapaça é divertido e instigante, com boas interações
entre seus protagonistas. Em seu pior, o filme é capaz de dar desaceleradas bruscas
no ritmo ou de perder a capacidade de manter o interesse do espectador (a
amizade de Carmine e Irving, por exemplo, soa completamente enfadonha, assim como outros rumos estranhos tomados pelo roteiro), ou
parece simplesmente bizarro, como na cena em que Edith grita num banheiro como
se fosse uma pantera (e com o som de uma!) ou quebra um retrato de vidro no
rosto de Richie, numa cena pessimamente montada.
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